Antes do Brasil viver uma disputa pela compra de respiradores médicos para socorrer as vítimas do coronavírus, esquemas corruptos desviaram dinheiro da saúde pública e drenaram recursos que ajudariam no atendimento de pacientes. Uma operação de promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Distrito Federal identificou mais um foco de desvios de hospitais, que operou de 2009 a 2015 em Brasília. Compras suspeitas de 123 milhões de reais em respiradores, mesas cirúrgicas e focos cirúrgicos são analisadas na Operação Gotemburgo, em referência à cidade-sede na Suécia de um grupo empresarial investigado. Na quinta-feira, foram cumpridos 37 mandados de busca e apreensão em endereços de médicos e empresários investigados.
De acordo com promotores do Gaeco, o esquema no Distrito Federal foi importado do estado do Rio de Janeiro e organizado pelo empresário Miguel Iskin, preso e condenado na Operação Lava-Jato fluminense. Como prova disso, os investigadores argumentam em documentos, obtidos por VEJA, que dirigentes da Secretaria de Saúde do Distrito Federal deixaram de promover licitações para fazer compras regulares e usaram atas fraudadas de registro de preços do Instituto Nacional de Traumatologia (Into) e Ortopedia e da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro. Do começo do esquema nessas repartições cariocas houve uma migração para a saúde no Distrito Federal – as atas de preços tinham servido para combinar preços de um cartel de fornecedores do setor médico-hospitalar e embasaram as compras fraudulentas em Brasília pelos mesmos valores e pelos mesmos fornecedores do esquema, segundo as investigações.
Com métodos similares aos praticados pelo governo do Rio de Janeiro no período do ex-governador Sérgio Cabral, o esquema em diferentes gestões do governo do Distrito Federal desviou verbas públicas na compra de pelo menos 252 respiradores, ao custo de 8,7 milhões de reais, de acordo com o Gaeco. Em uma dessas negociações, um servidor da Secretaria de Saúde do Distrito Federal chegou a criticar a compra dos equipamentos fornecidos por uma empresa representada por Iskin, apontando falhas técnicas e custos elevados de manutenção. Mesmo assim, as compras foram feitas. Depois de descoberto o esquema pela Lava Jato do Rio, parte dos investigados fez acordos de delação premiada e acordos de leniência – caso da Maquet, que pertence ao grupo sueco Getinge e foi representada no Brasil por Iskin.
No despacho que autorizou as buscas na operação Gotemburgo, a juíza Ana Claudia Loiola de Morais Mendes, da 1ª Vara Criminal de Brasília, destacou que a população enfrenta “efeitos nefastos” da corrupção enquanto faltam serviços básicos para a saúde pública.
“Isso vem à tona justamente em um momento no qual a sociedade brasileira amarga os efeitos nefastos da má gestão da coisa pública, no que diz respeito à saúde, em um momento em que milhares de brasileiros sofrem com a falta de respeito aos serviços básicos de saúde, e hoje pagam, com a própria vida, o mau serviço prestado pelos administradores, atuais e passados”, afirmou a juíza.