Dívidas milionárias e polêmicas: o calvário do pastor Valdemiro Santiago
Com rolos na Justiça, o fundador da Igreja Mundial do Poder de Deus tem templos penhorados e problemas em proporções bíblicas
Valdemiro Santiago de Oliveira diz que teve a ideia de iniciar a construção daquilo que se tornaria um impressionante império neopentecostal depois de ter sobrevivido por milagre a um acidente. O apóstolo, conhecido por envergar chapéus de vaqueiro nos cultos, conta que recebeu o “chamado de Jesus Cristo” em meio a um naufrágio em Moçambique, na África, em 1996. Ele estava ali a serviço da Igreja Universal do Reino de Deus e, atirado ao mar, relata ter nadado por mais de oito horas até encontrar abrigo em uma ilha, enfrentando sede, fome e até cardumes de tubarões-brancos.
No retorno ao Brasil, ficou ainda dois anos a serviço da Universal, até se desentender com o bispo Edir Macedo. Na sequência, abriu o primeiro endereço de sua própria igreja, a Mundial do Poder de Deus, no interior de São Paulo. A multiplicação do rebanho ocorreu de forma rápida. Em 2006, já pregava para multidões na sede transferida para a capital do estado, um prédio de 18 000 metros quadrados. Atualmente, é dono de 6 000 templos espalhados pelo Brasil e por outros 21 países (incluindo Estados Unidos, Portugal e Inglaterra), além de uma TV e de uma rádio.
Esse império religioso começou a ruir nos últimos anos pelo acúmulo de dívidas. Os rolos financeiros passaram a corroer o patrimônio amealhado por Valdemiro e as más notícias não param de chegar às suas portas. Recentemente, a Justiça penhorou uma mansão da igreja em Ilhabela, no litoral paulista, por uma dívida de pagamentos de IPTUs vencidos que somam mais de 3,8 milhões, e 50% de um apartamento do pastor em Rondonópolis, em Mato Grosso, avaliado em 2 milhões de reais, como garantia de quitação de 359 000 reais em aluguéis atrasados. Um dos maiores templos da igreja, no bairro de Santo Amaro, em São Paulo, avaliado em 33 milhões de reais e com capacidade para 20 000 pessoas, foi a leilão em abril de 2022 pela falta de pagamento de aluguel. A dívida ativa da Igreja Mundial com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional é de 13,4 milhões de reais. Se não bastasse, funcionários da TV Mundial, que transmite cultos e programas religiosos ao vivo, entraram em greve em janeiro devido a atrasos no recebimento de salários, FGTS, 13º e férias. É a segunda paralisação em três anos.
A lista de problemas e de polêmicas de Valdemiro não para por aí — tem quase proporções bíblicas. Em 2021, ele foi pilhado recebendo 1,2 milhão de reais da própria igreja, manobra considerada pela Justiça como um forte indício de que Valdemiro estava tentando transferir irregularmente o patrimônio da Mundial para a conta pessoal dele, de forma a se proteger de novos confiscos decretados contra a entidade. Durante a pandemia, o apóstolo foi alvo de uma investigação por estelionato, após anunciar a venda de sementes de feijão “com o poder de curar a Covid-19”. O caso foi arquivado dois anos depois. Em 2021, Valdemiro acabou condenado a pagar 35 000 reais em danos morais ao agora ministro da Casa Civil de Lula, Rui Costa, por dizer que o político fez “pacto com o capeta”. Em 2003, o apóstolo chegou a ser preso sob acusação de porte ilegal de armas em Sorocaba — a polícia encontrou uma carabina, duas escopetas e munição no carro de Valdemiro.
O processo de derrocada da Mundial e de seu fundador ocorre na mesma velocidade em que se deu o crescimento. Pelo critério de quantidade de templos, a igreja de Valdemiro está entre as dez maiores instituições evangélicas do país. A Mundial, no entanto, enfrenta uma grave crise desde 2019. Nos processos, os advogados do apóstolo colocam a culpa da crise na pandemia, alegando que houve redução no número de doações durante o período em que os templos ficaram fechados. A igreja, porém, também recebe doações de fiéis por meio do site e das redes sociais. Já os funcionários da TV Mundial atribuem os sucessivos problemas à má gestão da filha de Valdemiro, Raquel Santiago, à frente da instituição.
Nem as conexões políticas parecem ter ajudado a salvar esse patrimônio. Assim como outros líderes evangélicos, o apóstolo cerrou fileiras em torno de Jair Bolsonaro e fez campanha para o ex-presidente. Em outubro, entre o primeiro e o segundo turno, participou de um comício ao lado do então candidato à reeleição e do governador de Minas Gerais, Romeu Zema. Passada a eleição, Valdemiro segue fiel ao bolsonarismo. Durante uma pregação ao vivo na TV Mundial, no último dia 23, disse que a greve de funcionários na emissora “é coisa de quem não gosta de trabalhar”, assim como “aquele que cortou o dedo só pra se aposentar”, em referência ao presidente Lula. No mesmo programa, fez um pedido aos fiéis: que se unissem para doar 10 milhões de reais. Pelo jeito, novamente, Valdemiro espera por um milagre — desta vez, para se salvar de um naufrágio financeiro.
Publicado em VEJA de 15 de fevereiro de 2023, edição nº 2828