Estrela política que ascendeu na mesma onda que levou o bolsonarismo ao Palácio do Planalto em 2018, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, conquistou a sua reeleição ainda no primeiro turno no ano passado. Desde então, se credenciou como um nome a ser levado em conta no cenário nacional para 2026, sobretudo após a inelegibilidade de Jair Bolsonaro. Embora aliados digam que a prioridade seja fazer uma boa gestão para lá na frente definir o rumo, a sua agenda mostra que ele já pensa mais longe. Só em setembro, o governador emendou uma série de reuniões com empresários graúdos, gente importante do mercado financeiro e a parcela mais aguerrida da militância conservadora no Brasil. Nos eventos, falou de projetos para o país e pregou a união da direita, mas fez pouca referência a Bolsonaro, ainda dono do maior cacife eleitoral nesse espectro político. O comportamento despertou a ira do núcleo duro do ex-presidente, que acha que o mineiro ensaia um voo mais alto desgarrado do ex-capitão.
A movimentação de Zema indica que ele mira exatamente o eleitorado que levou Bolsonaro ao poder. A agenda privilegia encontros nos quais são tratados temas caros à direita brasileira, como o liberalismo econômico e o conservadorismo nos costumes. No primeiro caso, ele foi a dois eventos do LIDE, a entidade do ex-governador paulista João Doria — um em São Paulo e outro em Milão, na Itália. Na Fiesp, sentou-se com o presidente da entidade, Josué Gomes da Silva, com empresários, como Benjamin Steinbruch, gente do agro, como Marcos Molina (Marfrig), e nomes de peso da Faria Lima, como Guilherme Benchimol, dono da XP. Na outra frente, foi à CPAC Brasil, braço de um importante evento da direita mundial, que chegou ao país em 2019 pelas mãos do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
E foi do meio da direita mais bolsonarista que veio o primeiro tranco público em Zema. Durante a CPAC, em Belo Horizonte, o governador encerrou a sua fala dizendo que “a direita precisa trabalhar unida”. Não pelo dito, mas pelo que não foi dito, a frase foi vista como oportunista por gente próxima ao ex-presidente. “Muito bacana esse papo de unir a direita, mas, quando se olha a realidade, quem o propaga não mexe uma palha pela tal direita. Não pergunta, não oferece ajuda, finge de morto. Típico gafanhoto”, escreveu Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação de Bolsonaro. Outra crítica veio de Carlos Bolsonaro. “O insosso e malandro governador de MG traz consigo uma colocação ardilosa digna de João Doria, aquele que pede desculpas a Lula depois de sempre ter usado Bolsonaro”, atacou o Zero Dois.
A estratégia do grupo fiel ao ex-presidente de criticar quem tenta se aproveitar do seu capital político sem defendê-lo já havia se manifestado quando o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), tentou se distanciar de Bolsonaro apesar de mirar os votos bolsonaristas para 2024 — e foi igualmente chamado de “gafanhoto”. A avaliação nesse núcleo duro é que Zema “queimou a largada”, mas sair na frente pode ajudá-lo a consolidar apoio e eleitorado em uma seara onde há muita incerteza. Sem Bolsonaro no jogo, proliferam nomes na disputa pelo seu espólio, como os governadores Tarcísio de Freitas (SP), Ratinho Jr. (PR) e Ronaldo Caiado (GO), e a senadora Tereza Cristina (PP-MS).
Para ganhar musculatura, Zema também participa ativamente da recalibragem de seu partido, o Novo. Na semana passada, em São Paulo, ele foi celebrado em um evento no qual a legenda divulgou uma nova identidade visual e, mais do que isso, sinalizou para ampliar o discurso da sigla, hoje mais focado na defesa do liberalismo econômico, para valorizar mais a pauta de costumes, com o objetivo de avançar no eleitorado à direita. O Novo também acentuou a guinada pragmática que esboçava ao enterrar mais uma de suas bandeiras filiando o ex-procurador Deltan Dallagnol, ícone do lavajatismo, mas um ficha-suja para a Justiça Eleitoral — coisa que o Novo vetava. A sigla também já havia decidido usar os fundos eleitoral e partidário e formar alianças, coisas indispensáveis para fazer mais prefeitos em 2024 (só tem quatro hoje) e pavimentar um projeto maior para 2026. “Cometemos um erro em 2020 e lançamos candidatos em poucas cidades. Não cometeremos o mesmo erro”, diz o deputado Gilson Marques (SC).
Maior aposta da sigla, Zema tomou a dianteira para virar a opção da direita em 2026, o que já o transformou em vidraça. Em política, porém, tudo pode mudar do dia para a noite. Até a relação com Bolsonaro não está totalmente rompida. “Desentendimentos podem ocorrer, e reconciliações também”, diz um interlocutor próximo do ex-presidente. Continuar acelerando numa agenda nacional sem queimar a largada será a grande prova de perícia para o governador daqui para a frente.
Publicado em VEJA de 6 de outubro de 2023, edição nº 2862