O ex-governador de São Paulo Márcio França teve papel importante nas articulações da esquerda para as eleições de 2022. Filiado ao PSB, ele desistiu da candidatura ao Palácio dos Bandeirantes para apoiar o petista Fernando Haddad, que acabou derrotado no segundo turno por Tarcísio Gomes de Freitas, nome de Jair Bolsonaro na disputa. França também participou das conversas que resultaram na aliança de Lula com o ex-tucano Geraldo Alckmin, considerada o ponto alto da frente ampla formada para impedir a reeleição do capitão. Em retribuição a tais esforços, o socialista foi convidado pelo presidente eleito para assumir o Ministério de Portos e Aeroportos, que tem orçamento de 10 bilhões de reais neste ano e lida com projetos e interesses de grande porte. No cargo, França tentou desatar o nó da concessão do Aeroporto de Congonhas e pôr de pé um programa de venda de passagens aéreas por 200 reais, mas não teve tempo para cumprir esses objetivos. A fim de acomodar o Centrão na Esplanada, Lula entregou a pasta de França ao Republicanos e remanejou o aliado para o Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. Foi uma espécie de rebaixamento.
Até aliados de França reconheceram a perda de prestígio ao dizerem, em conversas reservadas, que sua nova estrutura tinha “micro” até no nome. Não foi um exagero. Criado única e exclusivamente para acomodá-lo, o ministério já existia na prática como uma estrutura de segundo escalão. Era a Secretaria da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte e do Empreendedorismo, até então vinculada ao Ministério da Fazenda e detentora de um orçamento de 11 milhões de reais neste ano. Na nova função, França tem à sua disposição 126 vagas para livre nomeação, das quais 125 remanejadas do Ministério da Gestão. Os números são modestos quando comparados aos da pasta de Portos e Aeroportos e quase irrisórios quando cotejados aos da Saúde, por exemplo, que tem um orçamento anual de 150 bilhões de reais e 1 725 cargos comissionados espalhados pelo país. Até uma sede teve de ser improvisada para o novo ministério. Hoje, França despacha no primeiro andar do prédio onde funciona a pasta do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, chefiada por seu colega de partido e vice-presidente da República, Geraldo Alckmin.
No gabinete de França, há uma mesa de trabalho, um computador, uma mesa de reuniões, uma televisão grande e outra pequena sala, com algumas poltronas. Os demais servidores do Ministério do Empreendedorismo ficam em algumas salas do segundo andar. Em uma delas, na qual está situada a equipe de imprensa, há espaço para catorze funcionários, mas só metade está trabalhando até aqui. Desde a posse, em setembro, até a semana passada, França só conseguiu fazer três nomeações para postos de confiança: o secretário-executivo, um diretor e o chefe da assessoria de imprensa. Como o ministério ainda não tem site oficial, nem letreiro informando que ele existe, as agendas públicas não são divulgadas.
Sabe-se um pouco do trabalho que está sendo feito por meio de publicações do próprio ministro em seus perfis pessoais nas redes sociais. Ele já viajou a pelo menos sete cidades e recebeu 48 parlamentares, além de representantes de empresas. Uma de suas ideias é estender o Desenrola — programa destinado a renegociar dívidas e limpar o nome de pessoas físicas — para microempresas. No início do governo Lula, o PSB foi contemplado com três ministérios. Numericamente, o partido manteve o espaço, mas perdeu musculatura com o remanejamento de França. O desafio agora é não ficar sem o Ministério da Justiça, cujo titular, Flávio Dino, foi indicado para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). “Nossa expectativa é que possamos ser compensados, porque já perdemos na minirreforma ministerial. Nós esperamos que o PSB não diminua de tamanho no governo Lula”, diz a deputada federal Lídice da Mata (PSB-BA). Personificada até aqui por França, a desidratação do PSB é resultado de pressão até do PT. Os socialistas têm apenas catorze deputados federais, mas controlam três ministérios. Segundo aliados de Lula, é poder demais para voto de menos na Câmara. Experiente, França conhece bem as movimentações de bastidor e, enquanto toca a agenda oficial, dedica-se ao que mais gosta de fazer: política. O ministro tem planos ambiciosos para 2026.
Uma de suas prioridades é concorrer ao governo de São Paulo, de preferência com o apoio do PT. Outra, emplacar Alckmin novamente numa chapa presidencial, o que afastaria o vice da corrida ao Palácio dos Bandeirantes, para a qual é sempre lembrado. Na semana passada, Alckmin, que também se movimenta nos bastidores pensando à frente, se reconciliou com o ex-governador João Doria, um dos responsáveis por sua saída do PSDB. França, óbvio, acompanha esses movimentos políticos com lupa. O rebaixamento ministerial, que não lhe agradou, pode, afinal, ter um efeito colateral positivo para ele: garantir-lhe mais tempo para costurar acordos que permitam a realização de seus projetos eleitorais. O ministro só não pode — e não quer — ser rebaixado também à condição de micro nas urnas.
Publicado em VEJA de 8 de dezembro de 2023, edição nº 2871