Espólio político do PSDB em SP é alvo de assédio de partidos de centro
A caça ao que sobrou de lideranças da sigla no seu ninho envolve legendas de todo tipo, como o PSD de Kassab e o PL de Jair Bolsonaro
Principal partido do país por quase uma década, o PSDB chegou duas vezes à Presidência da República e duelou com o PT pelo comando do país em outras quatro eleições nacionais. O protagonismo, no entanto, começou a ruir em 2018, com a ascensão do bolsonarismo, e, desde então, foi só ladeira abaixo. No último pleito, conseguiu eleger apenas treze deputados (já teve 99) e nenhum senador (veja o quadro abaixo). Pior: perdeu o comando de São Paulo — o maior colégio eleitoral do país, estado onde a legenda nasceu e que comandava desde 1995 —, abrindo caminho para a disputa pelo seu ainda considerável espólio de mais de 250 prefeitos por partidos de centro e centro-direita de olho nas eleições municipais de 2024.
A caça ao que sobrou de lideranças do PSDB no seu ninho envolve predadores de todo tipo, como o PSD de Gilberto Kassab — hoje homem forte do governo Tarcísio de Freitas —, o próprio Republicanos, partido do governador, o PSB de Geraldo Alckmin e Márcio França e o PL de Jair Bolsonaro, cujo presidente, Valdemar Costa Neto, tem base eleitoral no estado. O PSB levou no fim de abril o prefeito de Barueri (276 000 moradores), Rubens Furlan, aliado de décadas de Alckmin, e está na briga para filiar o gestor de Santos (433 000), Rogério Santos, que também é disputado pelo PSD. Kassab, que planeja eleger 200 prefeitos em São Paulo, também tenta atrair o prefeito de São Caetano do Sul (161 000 moradores), José Auricchio Júnior. Outra cidade governada por um tucano na mira dos rivais é Jundiaí (423 000), cujo prefeito, Luiz Fernando Machado, está em conversas com o PL. Só essas quatro cidades possuem mais de 1,2 milhão de habitantes, quase o total de Roraima e Amapá juntos.
A equação que possibilita o assédio sobre os tucanos tem vários fatores, a começar pela perda de protagonismo nacional. O outro é o esvaziamento do caixa, consequência direta do apequenamento nas urnas. “Nosso fundo partidário era de 64 milhões de reais em 2022. Não vamos ultrapassar os 20 milhões de reais neste ano”, afirma o tesoureiro nacional do PSDB e prefeito de Santo André (SP), Paulo Serra, um dos que tentam reorganizar o partido. Para completar, a derrota para Tarcísio e a saída do PSDB do governo deixaram os prefeitos sem uma referência política forte no estado. “O terreno fica especialmente aberto para outros partidos do nosso campo político buscarem esses prefeitos”, reconhece o governador Eduardo Leite (RS), que preside a sigla desde fevereiro. A expectativa para 2024, mesmo entre os otimistas, é que a legenda conseguirá eleger em São Paulo apenas cinquenta prefeitos. “É natural que o partido diminua em número de prefeituras em função do quadro da política nacional. Mas tenho certeza de que o PSDB vai manter posição relevante junto aos principais municípios nos maiores estados”, confia Leite.
Enquanto perde dinheiro, poder, lideranças e relevância, o PSDB tenta se reconstruir como alternativa. Em Nova York, onde participava de um evento do Lide, empresa do ex-tucano Joao Doria, Leite disse a VEJA que a saída passa por uma quase refundação da legenda. “Quero ajudar o partido a fazer um processo de discussão sobre qual é a espinha dorsal do pensamento político, econômico, visão de futuro, quais são as pautas que nos unem”, disse. Para obter o panorama esperado, o gaúcho contratou uma consultoria que vai ajudar, a partir de pesquisas e debates internos, a tentar encontrar alguma luz no fim do túnel.
O desafio não será pequeno, e Leite já sentiu o tamanho da encrenca. Um encontro para tentar reorganizar o partido, em um restaurante dos Jardins, em São Paulo, no fim de abril, atraiu apenas seis prefeitos e teve até uma manifestação na porta, com cartazes reclamando de Leite, em especial do adiamento das convenções previstas para fevereiro. O ex-governador Rodrigo Garcia, que poderia ser a maior referência em São Paulo, está morando nos Estados Unidos desde o início do ano e não participa das conversas com a base tucana.
Embora a prioridade mais imediata seja não definhar muito em 2024, a perspectiva da reconstrução tucana está nas eleições nacionais de 2026. Já pré-candidato ao Palácio do Planalto, Eduardo Leite vai se vender como alternativa à polarização política. A terceira via não vingou em 2022, mas uma pesquisa Datafolha de abril mostra que há espaço para esse campo, uma vez que 27% dos ouvidos disseram querer distância do petismo e do bolsonarismo. Catalisador das aspirações do cidadão moderado em boa parte da vida pós-ditadura, o PSDB precisa de pacificação, renovação e reinvenção profunda para voltar a ser uma alternativa. Até lá, porém, terá o desafio imediato de evitar que mais asas batam para fora do ninho.
Publicado em VEJA de 17 de maio de 2023, edição nº 2841