A estudante Maria Gomes Sarmet Rocha, de 20 anos, vem enfrentando uma angústia adicional em busca de uma vaga na universidade. Desde de 16 de janeiro, quando o Ministério da Educação divulgou o resultado do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), ela tenta descobrir, sem sucesso, a nota que tirou.
Portadora de deficiência visual grave e com a mão esquerda parcialmente paralisada (o que a impede de escrever em braille), Maria realizou as provas com auxílio de “ledores”, pessoas que leem a prova para que ela consiga responder às questões. Os ledores também descrevem imagens, preenchem o gabarito e escrevem a redação, ditada por candidatos como Maria.
Inicialmente, Maria e os pais imaginaram que a nota não havia sido divulgada por algum problema de carregamento do sistema. Na sexta-feita, 17, a família passou o dia todo entrando e saindo do site do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira), responsável pela realização do exame.
A mãe, Ana Lúcia Gomes, ligou para o telefone 0800 disponibilizado pelo Inep e, depois, enviou a mensagem com os dados da filha, conforme foi orientada pelo atendente. Como resposta, recebeu apenas uma mensagem automática, que lhe dava o número de um protocolo e a orientava a ligar novamente para o 0800, caso precise de mais detalhes. A família, que mora em Campos dos Goytacazes, no norte do Rio de Janeiro, passou o final de semana nesse looping, tentando descobrir a nota de Maria.
A preocupação aumentou ainda mais depois que o Inep anunciou que havia identificado erros na correção de parte das provas, e que os candidatos que se sentiram prejudicados deveriam entrar em contato com o Instituto. Sem o resultado dos testes, Maria não consegue saber se foi vítima de erros de correção.
Nesta segunda-feira, 20, a preocupação chegou ao ápice por causa da abertura do Sisu (Sistema de Seleção Unificado), marcada para terça. O Sisu distribui vagas de universidades públicas com base nas notas do Enem. “Sem a nota, não consigo me inscrever. E ninguém me deu nem ao menos uma previsão de quando minha nota será informada”, afirmou a estudante, que pretende estudar biologia e trabalhar na recuperação de áreas degradadas.
Apesar de ter finalizado o ensino médio em 2018 em uma concorrida escola federal do estado do Rio de Janeiro, Maria não conseguiu realizar o Enem naquele ano. Na ocasião, estava internada para realizar a 19ª cirurgia na cabeça. Ela sofre de um tipo de tumor, que, apesar de não ser maligno, danifica o cérebro por causa de seu crescimento. Foi isso que a fez perder a visão e parte dos movimentos do lado esquerdo.
Trapalhada descoberta durante a prova
Os problemas de Maria com o Enem começaram no primeiro dia de prova, apesar de ela ter informado sobre suas necessidades especiais no ato da inscrição. Foi só no meio da prova que ela descobriu que o Inep enviou os ledores para auxiliá-la, mas não enviou a prova correta para que eles pudessem, por exemplo, descrever adequadamente as fotos e gráficos para a estudante.
“Em uma das questões, pedi para que o ledor descrevesse uma figura, mas ele disse que não poderia, por que se o fizesse, iria facilitar a resposta”, explicou Maria. “Em outra pergunta, o ledor ficou sem saber o que fazer, e correu em outra sala de aula. Na volta, estava com uma prova diferente, que explicava muito melhor a mesma questão”.
Ao saber da trapalhada do primeiro dia, a família da estudante recorreu à Justiça e conseguiu que Maria fizesse um novo teste, dessa vez com os ledores e as provas certas. “Ela refez o teste em dezembro, e achamos que estivesse tudo certo, que era só esperar o resultado”, afirma José Paccelli Sarmet Rocha, pai de Maria.
Procurado por VEJA, o Inep pediu que enviássemos as perguntas por escrito. Até a publicação desta matéria, o Instituto não havia respondido sobre o caso de Maria. Também não informou quantos candidatos com as mesmas deficiências fizeram o teste, nem quantas pessoas não tiveram as notas divulgadas.