Nos primeiros meses deste ano, diferentes regiões do território nacional foram palco de tragédias provocadas por enchentes recordes, do Maranhão ao Litoral Norte de São Paulo. Essas catástrofes mostram quanto os alertas antigos e insistentes a respeito dos riscos do aquecimento global não eram exagerados. Infelizmente, tais avisos não foram levados tão a sério pelos governos como deveriam, incluindo-se na lista o Brasil. Os últimos resquícios do negacionismo climático que serviram de pretexto para virar as costas para o problema vêm sendo soterrados cabalmente por uma enxurrada de novos estudos. Na última terça, 25, foi divulgada uma das mais importantes pesquisas realizadas por aqui sobre o tema, com resultados impressionantes — e preocupantes. Sua principal conclusão é que as ocorrências de grandes secas, assim como as temporadas anormais de frio e de calor, cresceram de forma significativa no país, tornando-se o novo normal em várias localidades.
Liderado por cientistas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o levantamento em questão analisou dados da temperatura do ar, hora a hora, durante os últimos quarenta anos, em cinco regiões litorâneas. Nesse período, a ocorrência de eventos extremos de temperatura, frio ou calor, aumentou de forma significativa nas regiões costeiras de São Paulo (84%) e do Rio Grande do Sul (100%). No Espírito Santo, esse número quase triplicou (188%). “Não por acaso, temos visto secas cada vez mais prolongadas e precipitações enormes de chuva com as frequentes ondas de calor”, diz o biólogo Fábio Sanches, um dos autores do estudo, publicado na Scientific Reports, do grupo Nature, uma das mais prestigiosas revistas científicas no mundo.
Os riscos de tamanho desequilíbrio se mostram enormes e variados. Nas regiões mais afetadas pelo calor, os efeitos das temperaturas altas são potencialmente desastrosos para a população, a natureza e a economia. Além da sensação de desconforto térmico, o calor extremo está associado a problemas de saúde que podem até levar a óbito, sobretudo de idosos. No verão de 2022, a onda de calor que atingiu a Europa pode ter causado até 20 000 mortes, de acordo com estimativas. Os prejuízos aparecem também no campo da biodiversidade, sendo que alguns deles podem ser irreversíveis. Animais marinhos correm risco de sofrer alterações fisiológicas e comportamentais, o que pode resultar na destruição das cadeias produtivas dependentes da pesca, por exemplo. Já na área da economia, os impactos mais imediatos do desequilíbrio climático são percebidos pelos fazendeiros, uma vez que a atividade agropecuária é extremamente sensível às variações de temperatura e umidade. A seca é o principal risco climático, sendo responsável por 70% a 90% das perdas econômicas de soja e milho, segundo dados do Ministério da Agricultura. “O aumento médio da temperatura global também prejudica algumas regiões e épocas de cultivo, pois o maior consumo de água pode levar à escassez hídrica para as plantações”, explica Eduardo Monteiro, pesquisador da Embrapa Agricultura Digital.
Nas áreas do litoral, as precipitações de chuva fora do normal geram uma cascata de problemas graves, pois a maior parte da população mais pobre vive em zonas de risco, em casas construídas nos morros. Essa característica explica o saldo macabro das recentes enchentes no Litoral Norte de São Paulo, que provocaram 87 mortes. “Quando ocorreu essa catástrofe, a água do oceano estava cerca de 2 graus acima do usual, o que facilita mais evaporação e eleva o volume de chuvas”, explica Ronaldo Christofoletti, coordenador do estudo da Fapesp e representante da Unesco no Brasil para a cultura oceânica. Os dados do novo estudo acendem de forma definitiva o alerta vermelho: só uma ação governamental urgente e coordenada pode frear a tempo o fenômeno que colocou o Brasil no olho do furacão dos extremos climáticos.
Publicado em VEJA de 3 de maio de 2023, edição nº 2839