Flávio Dino deixou o cargo de ministro da Justiça no início do mês, reassumiu o mandato de senador e, daqui pouco mais de uma semana, será nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal. Em nove dias, portanto, ele será dono de um feito notável: terá ocupado postos de destaque nos três poderes da República — Executivo, Legislativo e Judiciário. Dino começou sua carreira pública como juiz federal, depois decidiu ingressar na política, deixou a magistratura, filiou-se ao PCdoB, elegeu-se deputado federal, governador do Maranhão e, em 2022, conquistou a cadeira de senador pelo PSB. Convidado pelo presidente Lula para o ministério, permaneceu 13 meses no cargo, retornou ao Congresso para uma rápida temporada como parlamentar e, no próximo dia 22, será empossado no STF. Em tese, ficará no cargo pelos próximos dezenove anos, até abril de 2043, quando completará 75 anos de idade, data-limite para a aposentadoria. Em tese porque nada indica que o senador pretende encerrar definitivamente sua carreira política.
Nas últimas semanas, VEJA conversou com aliados, amigos e ex-auxiliares da mais estrita confiança do ex-ministro. Todos — sem exceção — relatam uma história diferente da que foi contada sobre a decisão dele de deixar o Ministério da Justiça. Pela versão oficial, Dino estaria esgotado, precisava urgentemente cuidar da saúde e, pressionado pela família, pediu ao presidente para ser nomeado ao STF. Lula, mesmo a contragosto, teria então aceitado o pedido. O que aconteceu, segundo os relatos, foi o oposto disso. Dino não pediu para sair do governo, não pediu para ir ao Supremo, não foi pressionado pela família e nem pretende encerrar a carreira política aos 55 anos de idade. Ao contrário. Ele nunca escondeu de ninguém o desejo de disputar a Presidência da República. Poderia ser em 2026, se, por alguma razão, Lula não se candidatar à reeleição, o que hoje é improvável, ou em 2030, quando estará em jogo a sucessão do próprio Lula. Por mais paradoxal que pareça, esse desejo está na raiz do retorno do ex-ministro à magistratura.
Nos treze meses em que esteve no governo, Flávio Dino conseguiu algo inédito. Pela tradição, os ministros mais conhecidos costumam ocupar algum posto ligado à área social do governo, como Saúde e Educação. Os ministérios mais sensíveis, como Fazenda e Casa Civil, normalmente são comandados por potenciais candidatos a presidente. Já o Ministério da Justiça é uma vitrine de problemas. O ministro lida com temas como criminalidade, penitenciárias, terras indígenas, polícia, direitos humanos — assuntos que, quase sempre, são fonte de notícias negativas. Dino, porém, dominava os debates nas redes sociais, passou a ser o auxiliar mais pesquisado no Google e, ato contínuo, entrou na mira da oposição com convocações em série para comparecer ao Congresso. Diante de deputados e senadores, não se intimidava, recorrendo a deboche e sarcasmo contra os adversários, o que lhe garantiu ainda mais holofotes. O problema foi quando o tiroteio passou a vir também do lado amigo.
Os petistas mais ideológicos batiam de frente com alguns dos posicionamentos do ministro. Ele, por exemplo, não aderiu aos discursos radicais durante o debate sobre o marco temporal para as terras indígenas, pregava o entendimento entre a área ambiental e econômica e também dizia que os ruralistas não deveriam ser retirados à força. “Nós não vamos resolver problema social com polícia”, afirmava. Dino, por outro lado, buscou fazer acenos às polícias — categoria instrumentalizada pelo governo de Jair Bolsonaro —, enfrentou disputas por indicações em tribunais superiores e também se viu às voltas com um movimento para desmembrar a pasta, o que minaria parte de seu poder. Certa vez, perguntado se tinha pretensão de disputar o Planalto, ele ressaltou que o candidato era Lula, mas, se não fosse, havia uma lista grande de pretendentes no campo da esquerda — e se incluiu entre eles.
A popularidade crescente incomodou muitos dos seus colegas de ministério, especialmente aqueles que eram citados por Dino na lista de “presidenciáveis do campo da esquerda” — todos petistas. A proximidade dele com Lula também gerava rumores e ciumeira. Os dois mantinham um canal direto e se encontravam com frequência, ao contrário do que acontece com a maioria dos outros figurões do partido, que precisam recorrer a assessores como intermediários e nem sempre conseguem falar com o presidente. Some-se a isso o fato de que o PT ainda não tem um nome definido como sucessor natural do atual presidente.
“A ida do Flávio ao Supremo está associada a um ingrediente que agrada ao PT, o de anulá-lo como um potencial concorrente em 2030. Ele sempre disse que poderia pensar num projeto majoritário nacional depois do Lula”, diz um aliado do ex-ministro. E completa: “Ele foi convidado a sair do governo”. Dino demonstrava entusiasmo com a função de ministro da Justiça — o que não se pode dizer de quando ele foi convidado pelo presidente para assumir o STF. Quem conversou com o senador afirma que ele ficou “arrasado” com a “missão” que lhe foi conferida pelo presidente. “Talvez seja a única pessoa que esteja indo triste para o Supremo”, ressalta um importante interlocutor do ex-ministro, acrescentando que ele entendeu que não poderia rejeitar a proposta e garantiu sua permanência no posto ao menos enquanto o petista ocupar o Planalto.
Flávio Dino terá uma curta temporada no Congresso antes de aterrissar no Supremo. Na última semana, ele estreou a cadeira de senador. Caminhando pelos corredores, foi abordado diversas vezes para tirar fotos e receber abraços — o que atendeu de pronto e sorridente. Também lhe foram rendidas homenagens no plenário e ele chegou a assumir, por alguns minutos, a função de presidente. O senador também aproveitou para fazer o que mais gosta: discursar. Falou sobre segurança pública — com elogios às polícias —, prestou contas ao Maranhão e criticou a artilharia do Congresso contra o Supremo. O senador também protocolou projetos de lei. Um deles impede acampamentos em frente a quartéis militares. Lembrando do 8 de Janeiro, a medida, afirma, seria uma forma de prevenir e reprimir crimes contra o Estado democrático de direito. Outra proposta estabelece uma bonificação extra aos policiais que agirem com “excepcional dedicação e bravura”.
Em seus últimos momentos como ministro da Justiça, Flávio Dino fez um pronunciamento no qual citou ter esvaziado as gavetas “com muita dor no coração” e se emocionou ao passar o bastão para o ministro Ricardo Lewandowski. Lula também rendeu afagos ao ex-auxiliar. “Não pensem que as pessoas aqui vão festejar a sua saída. As pessoas estão tristes com a sua saída”, disse o presidente. Os dois trocaram um afetuoso abraço. Os líderes de seu partido, por sua vez, reclamam da perda de espaço político. O PSB perdeu o Ministério de Portos e Aeroportos para o Centrão e não contará com o apoio de Lula na campanha de Tabata Amaral à prefeitura de São Paulo. Internamente, Dino era visto como a principal esperança da legenda de voltar ao centro do palco. “É como se um novo avião tivesse caído”, compara um importante dirigente da legenda. Em 2014, no auge da campanha eleitoral, o ex-governador Eduardo Campos (PSB) morreu num acidente aéreo, depois de romper uma aliança política com o PT e se lançar candidato a presidente da República. “A diferença é que dessa vez há sobrevivente”, diz o pessebista.
Publicado em VEJA de 9 de fevereiro de 2024, edição nº 2879