Mais de cinquenta pacientes morreram por falta de oxigênio em Manaus. A campanha nacional de vacinação contra a Covid-19 atrasou e, até o momento, só há imunizantes disponíveis para uma pequena parcela dos brasileiros. Mesmo sem qualquer comprovação científica, foi recomendada a utilização de cloroquina como tratamento precoce do novo coronavírus. Esses e outros erros da gestão do general da ativa Eduardo Pazuello à frente do ministério da Saúde causaram uma enorme insatisfação na cúpula das Forças Armadas, que tenta se distanciar de toda confusão gerada pelo governo Bolsonaro durante o combate à pandemia no país.
Militares ouvidos por VEJA relataram um incômodo crescente com a permanência de Pazuello na função de ministro da Saúde. O desgaste aumentou sobretudo após o general ter cometido sucessivas falhas de gestão e ter travado uma guerra política contra o governador de São Paulo, João Doria, inimigo número 1 de Bolsonaro. Nas últimas semanas, Pazullo recebeu recados de seus colegas do Exército de que a alternativa mais prudente no momento seria aposentar a sua farda e ir para a reserva, trilhando um caminho semelhante ao do general Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, que causou desconforto em seus colegas após ter participado de manifestações contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). O responsável pela Saúde, porém, está relutante em abrir mão de sua patente, pois sabe que a qualquer momento, a exemplo de seus antecessores, terá a opção pode pedir o chapéu ou mesmo ser demitido por qualquer desentendimento com o seu chefe.
Em conversas reservadas, o presidente garante aos seus auxiliares que manterá Pazuello na Saúde, pois ele é considerado um “fiel aliado e cumpre todo o combinado”. Em outubro do ano passado, em meio às primeiras especulações sobre a saída do militar do governo, o general participou de uma gravação de um vídeo ao lado do presidente em que deixou clara a sua função na Esplanada dos ministérios. “É simples assim, um manda e outro obedece. Mas a gente tem carinho, dá para desenrolar”, disse o militar.
Com a expansão da Covid-19 no Brasil, Pazuello recebeu a missão de assumir temporariamente a secretaria-executiva do Ministério da Saúde em abril de 2020. Anunciado como especialista em logística, o militar foi alçado ao cargo após ter se destacado na Operação Acolhida, que abrigou imigrantes venezuelanos em busca de refúgio no Brasil. No mês seguinte, o general assumiu outra função: comandar a pasta no lugar do médico Nelson Teich, que pediu demissão após divergir de Jair Bolsonaro sobre o uso da cloroquina como tratamento da infecção causada pelo novo coronavírus. Pouco tempo depois, já sob a chefia de Pazuello, a Saúde divulgou uma nota orientado o “manuseio medicamentoso precoce de pacientes com diagnóstico da Covid-19”. A substância utilizada para o tratamento de malária, produzida em volume recorde em 2020 pelo Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército (LQFEx), foi distribuída para diversos estados e municípios, mesmo sem qualquer comprovação científica. Essa estratégia, traçada pelo presidente Bolsonaro e executada pelo general, tinha tudo para dar errado – e deu.
Um dia após a Anvisa, agência reguladora, autorizar o uso emergencial das primeiras vacinas contra a Covid-19 no país e refutar qualquer medicação não comprovada, Pazuello negou ter defendido o uso da cloroquina como tratamento precoce. O ministro, porém, ignorou o fato de que a sua pasta havia lançado, poucos dias atrás, um aplicativo chamado TrateCOV para estimular profissionais da área da saúde a prescrever hidroxicloroquina, cloroquina, ivermectina, azitromicina e doxiciclina em casos de suspeita de infecção pela Covid-19. Até o momento, porém, nenhum desses remédios teve a sua eficácia consagrada pela comunidade científica.
Tropeços como esse têm desgastado a imagem das Forças Armadas — que, insatisfeitas, agora tentam isolar Pazuello e assim se dissociar da crise vivida pelo governo Bolsonaro na pandemia.