Em um duro discurso contra a divulgação de conteúdos sigilosos de investigações, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes voltou a defender a anulação pela Justiça de materiais e depoimentos que foram vazados de inquéritos. Gilmar criticou, sobretudo, o vazamento por parte de autoridades públicas e citou especificamente a Procuradoria-Geral da República (PGR), um dos responsáveis pelas investigações da Operação Lava Jato.
Para ele, “a divulgação de informações sob segredo de Justiça parece ser a regra e não exceção”. “Não há nenhuma dúvida de que aqui está narrado um crime. A Procuradoria não está acima da lei. E é grande a nossa responsabilidade, sob pena de transformarmos este tribunal num fantoche. Um fantoche da Procuradoria da República. É preciso tratar o Supremo, Doutora Ella (Wiecko, representante da PGR no julgamento), com mais respeito”, disse o ministro.
Gilmar Mendes manteve o mesmo tom crítico em toda a sua fala. “Eu mesmo me manifestei publicamente sobre este lamentável fenômeno em mais de uma oportunidade. Cheguei a propor no final do ano passado o descarte de material vazado, uma espécie de contaminação de provas colhidas licitamente, mas divulgadas ilicitamente. E acho que nós deveríamos considerar este aspecto”, completou.
A manifestação do ministro se deu no início da sessão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), da qual é o presidente, nesta segunda-feira.
O ministro também criticou o uso de “offs coletivos” – quando informações são passadas, sob a condição de anonimato, a um grupo de repórteres que se comprometem a manter protegida a fonte da informação. Ele disse que “é importante destacar a fonte da denúncia”. “A imprensa parece acomodada com este acordo de traslado de informações. Pouca relevância dá ao fato inescapável de que, quando praticado por funcionário público, vazamento é crime. Os procuradores certamente não desconhecem”, concluiu.
O ministro Dias Toffoli, que também integra a turma, endossou as críticas de Gilmar. “Realmente, temos que refletir sobre isso, eminente relator. Temos o cuidado, nas diligências, em determinar, sob pena de nulidade, que o sigilo seja respeitado”, disse.
PGR
Diante das críticas, a subprocuradora-geral da República, Ella Wiecko, disse que “o princípio da legalidade deve ser muito respeitado”. “Uma coisa que me chama a atenção é o poder da mídia”, disse, citando coluna da ombudsman do jornal Folha de S. Paulo do último domingo, quando ela apontou a existência dos “offs coletivos” de autoridades responsáveis pelas investigações. “A ombudsman da Folha critica o próprio jornal. A mídia faz a investigação, sim. Eles (jornalistas) têm acesso, não sei como, mas eles têm muitas informações e estabelecem um momento para levar estas notícias a público”, disse.
Dirigindo-se a Gilmar Mendes, Wiecko falou: “Eu só queria dizer que essa sua insatisfação, essa insurgência, ela tem que ser compartilhada com todas as instituições e, certamente, pela mídia”.
Carne Fraca
Gilmar Mendes criticou também a Operação Carne Fraca, logo após dizer que “há uma disputa pela mídia” entre autoridades públicas que promovem investigações. “Um delegado decide fazer uma operação, a maior do Brasil, para investigar a situação de carne. Anuncia que todos nós estaríamos comendo carne podre e que o Brasil estaria exportando para o mundo carne viciada. Por que fez isso? Porque, no quadro de debilidade da política, não há mais anteparo, perderam os freios. Não há mais freios e contrapesos”, disse.