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Greve ilegal de PMs indica uma insatisfação cada vez mais politizada

Paralisação espalha o caos no Ceará, exige intervenção federal e alerta: atos performáticos com retroescavadeiras não são a solução

Por Mariana Zylberkan Atualizado em 4 jun 2024, 14h40 - Publicado em 28 fev 2020, 06h00
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    CRISE - Soldados do Exército patrulham (à esquerda) e policiais civis realizam manifestação no Recife: pressão sobre os governos estaduais (Jarbas de Oliveira/AFP/Marlon Costa/Futura Press)

    Assaltos, arrastões e ao menos 170 mortes violentas foram registrados no Ceará em oito dias (em fevereiro inteiro de 2019 foram 164). As mortes foram causadas, em grande parte, por acertos de contas entre bandidos, que desfrutaram uma espécie de salvo-conduto para matar. Enquanto isso, policiais militares estavam amotinados nos quartéis ou circulavam pelas ruas armados e encapuzados mandando o comércio fechar as portas, bloqueando o trânsito com viaturas ou murchando os pneus dos veículos. Em um dos principais batalhões de Fortaleza, cerca de 500 pessoas, entre elas famílias inteiras, têm passado a noite em colchões empilhados. A crise de segurança no estado teve início no dia 19 de fevereiro, quando a PM de lá resolveu cruzar os braços e o senador Cid Gomes (PDT) recebeu dois tiros em Sobral ao tentar — tresloucadamente, com o uso de uma retroescavadeira — liberar um quartel ocupado por grevistas. O cenário de bangue­-bangue e desordem levou o governador Camilo Santana (PT) a pedir a intervenção do governo federal, que destinou 2 500 homens do Exército e 150 da Força Nacional de Segurança para restabelecer a ordem.

    Embora em uma escala menor, sem os lances cinematográficos do Ceará, outros seis estados registram agitações dessa natureza. Na Paraíba, durante uma recente paralisação de doze horas, mascarados furtaram pneus de viaturas. Em Pernambuco, em torno de 1 000 policiais civis fizeram manifestação semelhante. Em Santa Catarina, aproximadamente 2 000 agentes de segurança e seus familiares bloquearam a Rodovia SC-401 em 30 de janeiro. Também houve protesto em Sergipe em 18 de fevereiro, uma terça-feira. Os movimentos ocorrem devido à insatisfação das tropas com a remuneração e as condições de trabalho. No Brasil, hoje, quem paga melhor é o Distrito Federal (4 700 reais). No extremo oposto, encontra-se o Espírito Santo (2 778 reais). No último dia 19, perto de 1 500 policiais civis, militares e bombeiros do estado fizeram uma passeata, ameaçando engrossar a onda de paralisações.

    O fenômeno não é novo no Brasil. Apesar de punições severas previstas em lei — como a expulsão por deserção —, houve 52 paralisações de PMs entre 1997 e 2017, segundo levantamento coor­de­na­do pelo sociólogo José Vicente Tavares dos Santos, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mas a recente onda de insatisfação vem se alastrando mais rápido e está ancorada em um movimento atual: o aumento do número de parlamentares eleitos cuja origem é o pertencimento a forças de segurança. Em 2018, em meio ao furacão bolsonarista que varreu o país, 88 policiais ou militares foram eleitos para o Legislativo federal, incluindo três senadores — quatro anos antes, esse contingente era formado por apenas trinta representantes. “A categoria se sente mais empoderada diante de uma representatividade maior”, diz Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Ao contrário de outras categorias, como os juízes, os policiais, uma vez não eleitos, não são obrigados a deixar o posto. “Isso causa um ruído ainda maior entre as demandas públicas e as corporativistas”, afirma Lima.

    Além da maior politização, anos de condescendência com os infratores ajudaram a aumentar a ousadia dos grevistas. Uma vez arrefecida a crise provocada pelos policiais, é praxe que os governadores lhes concedam uma anistia. Neste ano, os grevistas do Cea­rá, antes mesmo do fim da paralisação, já incluíram o perdão pelo desrespeito à lei e à hierarquia como uma das condições para voltar ao trabalho. No Congresso, há ao menos duas propostas para anistiar policiais grevistas.

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    Para piorar o que já não vai bem, o crescente empoderamento da categoria contrasta com a penúria financeira da maioria dos estados. Mas, mesmo sem dinheiro, alguns governadores tendem a se curvar à força da pressão dos grevistas. Exemplo recente disso foi Minas Gerais, que, a despeito da situação alarmante de suas contas, aprovou há poucos dias um aumento de 42% para a PM. De certa forma, tal decisão foi uma surpresa. Afinal, o governador mineiro Romeu Zema, do Partido Novo, se diz representante da nova política e um admi­nis­tra­dor comprometido com os princípios privados de gestão. Isso tudo, porém, foi deixado de lado porque ele percebeu não apenas a força da base eleitoral dessa corporação no atual momento brasileiro e em Minas, como também seu apelo populista.

    Fermentando em vários lugares, os movimentos grevistas contribuíram ainda para acrescentar mais um item à relação de situações que têm provocado desgastes entre governadores e o Palácio do Planalto. Fiel a seu estilo de agradar às bases, Bolsonaro até agora não emitiu sequer uma palavra de reprovação aos amotinados do Ceará — nas manifestações, os participantes lembram seu nome com gritos de “mito, mito”. Ninguém pode, no entanto, chamar o presidente de contraditório. Em seus tempos de parlamentar obscu­ro, Jair Bolsonaro sempre apoiou as causas ligadas a esse grupo. A questão agora é saber quem pode mediar essa situação com equilíbrio e inteligência (alguém viu o ministro Sergio Moro por aí?), pois, num país com tantos problemas de segurança, não há dúvida de que os policiais precisam de tratamento decente e boas condições de trabalho. Mas não é prejudicando a população com caos e baderna que eles receberão tais privilégios. E um detalhe importante: atos performáticos com retroescavadeiras, definitivamente, não são a solução.

    Com reportagem de André Siqueira

    Publicado em VEJA de 4 de março de 2020, edição nº 2676

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