Há 13 anos, ele cruza 70km todo dia para ver o filho no hospital
“Dizem que a chance de ele se recuperar é menos de 1%. Mas se tem 1%, não vou desistir", afirma o vendedor
Todos os dias, há 13 anos, o vendedor Vanderlei Pimentel, de 57 anos, salta da cama às 7h, toma um breve café da manhã, arruma seu catálogo de vendas e sai às ruas da Grande São Paulo para visitar clientes e lojas de cortinas e decoração. Ao entardecer, apesar do cansaço de um dia de trabalho, Vanderlei atravessa a cidade de São Paulo e percorre 70 km para chegar até o Hospital Auxiliar de Suzano, unidade de longa permanência vinculada ao Hospital das Clínicas de São Paulo, para onde são enviados pacientes graves ou que precisam de cuidados contínuos.
É nessa instituição pública de saúde, que possui 95 leitos ocupados por pacientes com os mais variados tipos de doenças ou sequelas, que mora Leidervan Pimentel, de 32 anos, filho de Vanderlei. E é para lá que o vendedor vai neste domingo de Dia dos Pais, para passar mais um dia ao lado do filho que aos 19 anos foi vítima de um acidente de carro gravíssimo que o deixou com sequelas neurológicas irreversíveis – o chamado coma vigil, ou estado vegetativo persistente. “O Dia dos Pais é um dia meio triste para mim, pois certamente ele estaria me beijando e me parabenizando com algum presente. Nunca deixou de fazer isso”, diz o pai.
Leidervan mora no hospital há quase 4.750 dias porque não tem condições clínicas de receber alta e ir para casa. Ele chegou a se recuperar parcialmente do acidente, mas sofreu uma inesperada parada cardiorrespiratória e ficou mais de 10 minutos sem respirar, com convulsões frequentes. “Nesse dia os médicos disseram: ‘perdemos esse rapaz’. Mas ele incrivelmente reagiu e voltou. Nem os médicos acreditavam no que estavam vendo”, conta.
A cada convulsão e a cada minuto sem oxigenação no cérebro, os danos cerebrais de Leidervan pioravam. Foram cerca de 6 meses de cuidados intensivos até ele estabilizar o quadro neurológico. “Os momentos de convulsão eram a visão do inferno. Ele se contorcia, cerrava os dentes, cerrava as mãos. Se colocássemos uma tabua ali, ele quebrava”, lembra o pai.
Como sequela, Leidervan se tornou um jovem totalmente dependente de ajuda. Não anda, não fala, não reage espontaneamente a nenhum tipo de estímulo. Mas seu corpo mantém os sinais vitais preservados — como pressão arterial, pulso e oxigenação — e as funcionalidades básicas de sobrevivência. O garoto dorme e acorda, mantém as funções fisiológicas e, em alguns momentos, demonstra pequenos sinais de consciência (ou apenas de reflexo, ninguém sabe ao certo) – como ficar agitado quando acumula secreção na traqueostomia e é preciso aspirar a região.
Pai assume os cuidados diários
Desde o dia do acidente, Vanderlei assumiu o compromisso quase religioso de cuidar diariamente do filho, faça chuva ou faça sol. Ele chega no hospital por volta das 19h e já entra no quarto falando alto e beijando o rosto do filho: “Oi, Leidervan, o papai chegou”. Segundo ele, essa é uma forma de o menino “sentir” a sua voz, a sua presença. “É isso que mantém ele vivo, eu creio. Digo todos os dias para que ele não desista da vida porque eu nunca vou desistir dele”, diz.
Depois de beijar o filho, Vanderlei inicia uma rotina de duas horas de exercícios de fisioterapia que ele foi aprender especialmente para poder cuidar adequadamente do jovem. O hospital oferece fisioterapia 3 vezes por semana, mas Vanderlei acha insuficiente para manter a qualidade de vida do filho. Assim, ele realiza massagens específicas em todo corpo do filho, incluindo pernas, braços, tronco, mãos e pés.
“Se você considerar os 13 anos que ele está deitado em uma cama, o nível de atrofia muscular dele é praticamente zero. A musculatura sofreu apenas um encurtamento natural pela falta de atividade física”, explica o pai, que ressalta com orgulho que em todo esse tempo Leidervan nunca teve nenhuma escara – ferida que aparece na pele de pacientes que estão por muito tempo na mesma posição.
Após os exercícios, Vanderlei conversa com o filho, conta as novidades do dia, lê alguma revista, jornal ou, mais frequentemente, algum capítulo da Bíblia. Também liga o rádio para que Leidervan ouça as notícias do dia e as músicas atuais. Ele também mostra jogos no celular para que o filho veja e entenda a revolução do aparelho nesses últimos 13 anos. Quando possível, leva o jovem até o jardim do hospital para que ele tome sol, veja as árvores, os pássaros, sinta a brisa do vento no rosto. “É importante que meu filho sinta que não é um vegetal e que eu estou lá dia após dia porque eu o amo, ele é minha vida e eu nunca vou abandoná-lo”, diz Vanderlei.
Nas outras datas comemorativas, como Natal e Ano Novo, Vanderlei costuma dormir no hospital para passar a noite ao lado do filho, na cadeira desconfortável destinada ao acompanhante. No aniversário do jovem, leva bolo e canta parabéns, pois quer manter viva a importância da comemoração.
1% de chance
Evangélico da Igreja Batista, diz não temer a morte. “Nunca passou pela minha cabeça a perda. Uma porta que Deus abre, ninguém fecha. Uma porta que Deus fecha, ninguém abre. A última palavra é Dele.”
Mesmo sabendo que é improvável que o filho reaja e saia dessa condição, Vanderlei não perde as esperanças. Para manter duas cuidadoras como acompanhantes do filho dia a noite, além das medicações extras, ele gasta cerca de R$ 7 mil por mês. Teve de vender a casa e zerou as economias. Agora, criou uma página no Facebook em que relata a rotina do filho, e uma vaquinha virtual para conseguir manter os cuidados por mais pelo menos três anos.
“Os médicos dizem que as chances de ele se recuperar são de menos de 1%. Mas se tem 1% de chance, ainda não é o ponto final e eu não vou desistir. Não adianta eu dizer que amo meu filho se não fizer nada por ele. Para mim, isso que eu faço não é nenhum sacrifício, isso é amor.”