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Herdeiros políticos de Bolsonaro enfrentam dilema em meio ao fogo cruzado

Aliados se equilibram entre o temor do desgaste e a cobiça pelo eleitorado do ex-presidente

Por Valmar Hupsel Filho, Victoria Bechara Atualizado em 4 jun 2024, 09h57 - Publicado em 16 set 2023, 08h00
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  • Há pouco mais de uma semana, ao ser questionado por alunos de uma faculdade de São Paulo sobre o fato de ser aliado de Jair Bolsonaro, o prefeito paulistano, Ricardo Nunes (MDB), não titubeou. “Eu? Do lado do Bolsonaro?”, indagou, para em seguida esclarecer que não tinha “proximidade” com o ex-presidente. A declaração pegou muito mal no entorno do ex-presidente e gerou o previsível temor de perder os preciosos votos do bolsonarismo na sua complicada tentativa de reeleição à prefeitura em 2024. O alerta lhe foi dado no mesmo dia, em alto e bom som, por Fabio Wajngarten, ex-­secre­tá­rio de Comunicação Social do capitão. “Ninguém, repito, ninguém, se apropriará de votos bolsonaristas e deixará Bolsonaro distante. A era dos gafanhotos acabou. Fica a dica”, avisou. Nos dias seguintes, Nunes enfileirou declarações para amenizar o mal-­estar, chegou a dizer que não tinha ouvido direito a pergunta e terminou, na terça-feira 12, declarando em evento público em Brasília que sempre viu “integridade” da parte de Bolsonaro, em cujo governo, afirmou, se combateu a corrupção.

    PERTO, MAS LONGE - Bolsonaro e Zema: evento discreto na concessão de título de cidadão mineiro ao capitão
    PERTO, MAS LONGE - Bolsonaro e Zema: evento discreto na concessão de título de cidadão mineiro ao capitão (Elizabete Guimarães/ALMG/.)

    O zigue-zague do prefeito quando o assunto é Bolsonaro foi o mais eloquente dos últimos dias, mas está longe de ser uma exceção. Para não ir muito longe, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), tido por muitos como o principal herdeiro do espólio eleitoral bolsonarista, também tem se dedicado a equilibrar pratos. Na quarta-feira 13, fez uma visita de cortesia ao ex-presidente no hospital, após este ter passado por uma cirurgia, postou foto dos dois nas redes sociais e o convidou a se hospedar no Palácio dos Bandeirantes quando tivesse alta médica. O gesto ocorreu em meio a críticas recorrentes vindas do entorno de Bolsonaro por ele não ter feito uma declaração pública de apoio ao ex-presidente na investigação do caso das joias. Segundo aliados do governador, no entanto, ele não deverá se pronunciar sobre o assunto, assim como não o fez em outros momentos, e continuará com a postura “pragmática” de só falar de questões do governo sem se envolver em polêmicas alheias a sua gestão.

    REDUTO - Jorginho Mello: para ele, o capitão é o “nosso timoneiro”
    REDUTO - Jorginho Mello: para ele, o capitão é o “nosso timoneiro” (Eduardo Valente/SECOM)

    O dilema vivido pela dupla de São Paulo também atinge, com algumas variações, outros políticos que mantêm os olhos no espólio eleitoral de Bolsonaro enquanto vão tateando em busca do melhor caminho na crise. Aliados como os governadores de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), do Paraná, Ratinho Jr. (PSD), e de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL), todos em busca de obter mais projeção nacional, têm adotado o que poderia ser chamado de “teoria do Sol” em relação ao ex-presidente: nem tão perto que possam se queimar, nem tão longe que não possam receber o seu calor.

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    A postura cuidadosa é ainda mais necessária para quem comanda territórios com um grande eleitorado bolsonarista, como os do Sul do país, onde Bolsonaro ganhou com folga de Lula nos três estados. Em Santa Catarina, teve 70% dos votos no segundo turno, não por acaso o mesmo percentual que levou o seu ex-líder no Senado, Jorginho Mello, ao governo do estado. “Bolsonaro é o único na direita capaz de transferir voto”, afirma o deputado Edilson Massocco (PL), líder de Mello na Assembleia, onde o partido de Bolsonaro elegeu onze dos quarenta parlamentares. Ciente disso, Mello chamou o ex-presidente de “nosso timoneiro”, em encontro que tiveram em julho no estado. O governador, porém, nunca fez uma manifestação pública de apoio a Bolsonaro em razão das investigações.

    ABERTO - Ratinho: foco em bandeira de Bolsonaro e parcerias com Lula
    ABERTO - Ratinho: foco em bandeira de Bolsonaro e parcerias com Lula (Egberto Nogueira/ímãfotogaleria/.)

    Mais comedido ainda tem sido o seu vizinho paranaense, Ratinho Jr., que governa um estado que deu 62% dos votos ao capitão na última eleição. Desde que o incômodo aliado saiu derrotado da eleição presidencial, Ratinho não apareceu publicamente com o ex-presidente uma única vez, não mencionou mais o seu nome e adotou uma postura bem pragmática. Com aprovação alta no estado, tem tocado obras que agradam à direita, como os colégios cívico-militares, defendidos por Bolsonaro, ao mesmo tempo que se aproxima do governo Lula, com quem tem projetos importantes em parceria. Nesta semana, por exemplo, recebeu em seu gabinete o ministro do Turismo, Celso Sabino, para pleitear ajuda no financiamento de negócios do setor. O ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Wellington Dias, também visitou o estado e elogiou o programa paranaense de combate à fome. Ratinho Jr., ao contrário de Mello, é do PSD, partido que integra a base de Lula no Congresso — mas ele tem a pretensão, dependendo do cenário, de se cacifar como o nome da centro-direita para enfrentar o petista em 2026, uma vez que Bolsonaro está inelegível.

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    Uma movimentação igualmente mais cautelosa é feita por Romeu Zema. Governador do segundo maior colégio eleitoral do país e apontado como um forte possível presidenciável, ele decidiu abraçar o mineirismo, ainda que temporariamente. No fim de agosto, participou de um evento protocolar de concessão de título de cidadão mineiro a Bolsonaro na Assem­bleia local — que havia sido aprovado em 2019 —, onde disse que as portas dos ministérios do antigo governo “estiveram sempre abertas” e que o ex-presidente pode contar com Minas. Zema, porém, nada falou e nada postou sobre o encontro em suas redes sociais. Também não gastou seu tempo até agora para comentar os escândalos envolvendo o capitão. Além disso, deu um passo atrás em sua agenda política nacional. Pessoas próximas afirmam que Zema está recalculando a rota após algumas declarações desastradas neste ano, como a que defendeu a criação de uma frente Sul-Sudeste contra o Nordeste. Depois de visitar estados como Santa Catarina e Pernambuco, o mineiro decidiu que é hora de deixar de lado as pautas nacionais e focar em problemas do estado — pelo menos por ora.

    RISCO - Nunes, com a mulher, Regina Carnovale, no The Town: possível nacionalização da disputa em São Paulo
    RISCO - Nunes, com a mulher, Regina Carnovale, no The Town: possível nacionalização da disputa em São Paulo (Gildson Di Souza/SECOM SP/.)

    As estratégias, com pequenas variações, buscam reforçar o capital político de cada um enquanto esperam decantar o furacão em torno de Bolsonaro para saber o que sobra do seu espólio eleitoral. A urgência maior para equacionar a questão é para quem vai para a disputa já no próximo ano e conta com o voto decisivo do bolsonarismo para vencer. Por isso, o prefeito Ricardo Nunes junta ao seu malabarismo verbal uma certa dose de torcida para que não ocorra uma nacionalização da disputa em São Paulo em 2024, estratégia que deverá ser usada por seu principal rival, o deputado Guilherme Boulos (PSOL), que terá o apoio de Lula. “O eleitor que votou no Bolsonaro vai votar no Nunes, independente de o Bolsonaro apoiar ou não, porque não vai votar no Boulos”, diz um interlocutor do emedebista.

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    Por isso, de agora em diante, a ordem na prefeitura é focar na periferia, onde Boulos tem vantagem. Para isso, o prefeito se baseia em números internos que mostram potenciais de crescimento nas regiões mais afastadas, sobretudo devido ao seu bilionário programa de recapeamento asfáltico. “Se ele conseguir crescer nas franjas da cidade, como a gente está esperando, vai ficar cada vez menos dependente do voto bolsonarista e poderá até escolher o vice de seus sonhos, não um indicado pelo PL ou pelo ex-presidente”, diz outro interlocutor. Os governadores, enquanto isso, têm a seu lado o fator tempo. Até 2026, cada um vai fazendo e refazendo os seus cálculos políticos enquanto monitoram o drama em torno do que poderia ser o seu maior cabo eleitoral, mas se transformou em um grande ponto de interrogação.

    Publicado em VEJA de 15 de setembro de 2023, edição nº 2859

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