O pecado abjeto foi premeditado em detalhes. Após celebrar uma missa na zona rural de Araras, cidade a 180 quilômetros de São Paulo, o padre Pedro Leandro Ricardo convidou o coroinha Ednan Aparecido Vieira, então com 17 anos, para dormir na casa paroquial. A desculpa: estar a postos no dia seguinte para ajudá-lo na missa do domingo de manhã. Embora soubesse que não haveria mais ninguém na residência, o menino jamais desconfiaria que estava prestes a cair em uma arapuca. Chegando ao local, o clima começou a ficar estranho com as perguntas do anfitrião, que só queria saber da vida íntima do garoto. Tinha namorada? Qual era seu tipo físico preferido de menina?
Passado um tempo, o homem se retirou para tomar banho e a jovem visita ficou vendo TV na sala. Na sequência, começou o inferno. O padre, então com 32 anos, revelou suas verdadeiras intenções ao aparecer na sala vestido apenas com uma cueca samba-canção. Seu estado de excitação marcava o tecido da peça. Começou a se masturbar e pediu que o adolescente fizesse sexo oral nele. Ao ouvir a recusa, avançou para cima do menino e começou a tocar suas partes íntimas, tentando forçar a relação. Em estado de choque, Ednan nada fez em um primeiro momento, até que conseguiu reunir coragem para se levantar e interromper o ataque. No dia seguinte, o padre celebrou a missa na Paróquia São Francisco de Assis como se nada tivesse acontecido. Mesmo traumatizado, o coroinha fez normalmente o trabalho na celebração, auxiliando o monstro que havia tentado molestá-lo na noite anterior. Uma semana depois, o padre dispensou os serviços do rapaz. O jovem era órfão de pai, e a mãe fazia parte do grupo de catequistas da paróquia. Devido a essa influência religiosa, Ednan servia a igreja havia dez anos com devoção. “Padre Leandro era como um pai para mim”, conta.
O relato do ex-coroinha faz parte de um dos maiores escândalos da história recente da Igreja Católica brasileira. Padre Leandro tem atualmente 50 anos. As barbaridades que cometeu nas sombras durante décadas só começaram a ficar conhecidas nos últimos meses. Ednan integra o grupo de seis pessoas — três homens, duas trans e uma mulher — que o denunciaram. Nesta reportagem de VEJA, pela primeira vez, elas revelam seus dramas. Até pouco tempo atrás, o clérigo era conhecido apenas como um líder carismático que cuidava de seu rebanho na periferia de Araras. Sua verdadeira face foi revelada em dezembro de 2018, quando a advogada Talitha Camargo da Fonseca e o produtor audiovisual José Eduardo Milani enviaram um dossiê de 68 páginas ao Vaticano para denunciá-lo, incluindo relatos das vítimas, que são representadas por Talitha. Todas prestaram depoimento há duas semanas na Polícia Civil de São Paulo.
Segundo elas, Leandro contava com a proteção de dom Vilson Dias de Oliveira, bispo emérito da Diocese de Limeira, jurisdição que representa dezesseis cidades do interior de São Paulo. Sem a intervenção das autoridades eclesiásticas de fora do país, que obedecem a uma diretriz do papa Francisco, tais crimes poderiam permanecer impunes. Agora, há uma esperança de que os malfeitos tenham consequências. Dois meses após o Vaticano receber o calhamaço com as denúncias, Leandro acabou afastado das funções de padre e de reitor da Basílica de Santo Antônio de Pádua e está impedido de celebrar missas até a conclusão da investigação. Mas continua recebendo cerca de 9 000 reais, entre salário e benefícios. O bispo Vilson, que o protegia, renunciou ao cargo quando o escândalo veio à tona. “Ele cansou de receber denúncias a respeito do padre Leandro, mas nunca fez nada”, diz a advogada Talitha.
Regra no Brasil e no exterior por muito tempo, a tática de acobertamento tem uma chance real de ser banida. Em fevereiro deste ano, o papa Francisco abriu um evento destinado a discutir o abuso sexual contra menores cometido por membros do clero. Para o encontro, denominado “A proteção de menores na Igreja”, o pontífice convocou 114 presidentes de conferências episcopais, como a CNBB, cardeais e embaixadores. Em uma atitude ainda mais ousada, Francisco estendeu o convite a vítimas de padres, na esperança de que seus depoimentos sensibilizem o clero para que ações de combate àquelas práticas alcancem, de modo muito contundente, as dioceses. Três meses depois, publicou um motu proprio (carta emitida diretamente pelo papa que modifica a legislação interna da Igreja), no qual torna obrigatório que padres e religiosos denunciem às autoridades eclesiásticas suspeitas de casos de abusos sexuais. Até então, os clérigos levavam adiante essas histórias de acordo com sua consciência pessoal.
O motu proprio desburocratizou o mecanismo das denúncias. Estabeleceu que em cada diocese exista um “sistema de comunicação” destinado apenas a receber as queixas — as instituições têm até um ano para criá-lo. Se a vítima quiser que a denúncia siga diretamente para a Congregação da Doutrina da Fé, será enviada, sem questionamento. Esse tipo de mecanismo já existia em alguns países, como Estados Unidos, mas o papa agora quer tornar a iniciativa obrigatória em todo o mundo. O motu proprio determinou ainda que os padres e religiosos são obrigados a denunciar qualquer suspeita. Os leigos que trabalham para a Igreja são também encorajados a relatar casos de abuso e assédio. As investigações precisam garantir a confidencialidade dos envolvidos e durar até noventa dias. A Igreja deve fornecer assistência médica, terapêutica e psicológica às vítimas. Uma das maiores críticas ao documento é não trazer nenhuma orientação para que os episódios sejam reportados às autoridades civis. Hoje, quando uma vítima procura a Igreja para relatar um caso de abuso, a entidade não tem a obrigação de relatá-lo à polícia para que ela o investigue. A Justiça comum, portanto, muitas vezes não toma conhecimento sobre atrocidades ocorridas nos meandros das paróquias.
A rigor, as regras da Igreja para um crime de pedofilia são universais e valem para casos que envolvam pessoas abusadas com idade inferior a 18 anos. A denúncia pode ser feita por qualquer pessoa — a própria vítima ou não. O caso deve ser relatado ao superior do clérigo acusado. Se o criminoso for o padre, por exemplo, deve-se falar com o bispo. A autoridade que recebeu a denúncia ouve o acusado. Se considerar a história verídica, ela seguirá para o Tribunal Eclesiástico.
No escândalo de Araras, o bispo Vilson Dias de Oliveira não deu andamento às denúncias que estavam sob sua jurisdição. Além do envolvimento de Leandro, há vítimas dos padres Carlos Alberto da Rocha e Felipe Negro. O dossiê enviado ao Vaticano não trata apenas de pedofilia. Há indícios fortes ali também de uma espécie de “mensalinho do abuso”. As vítimas afirmam que o bispo exigia propinas dos párocos de conduta condenável para deixá-los atuar sem ser investigados. A prática teria rendido dividendos visíveis. Vilson possui dez imóveis registrados em seu nome, todos em São Paulo. Metade deles na cidade de Guaíra e os outros em Itanhaém, no litoral sul paulista. Em uma avaliação conservadora, a soma do patrimônio supera a marca de 1,5 milhão de reais. É o verdadeiro milagre da multiplicação imobiliária. Procurado por VEJA, o bispo disse, por meio de seu advogado, que não cometeu condutas ilícitas. Acusado de abuso contra Paula Vallentin e de ter assediado Mariele da Silva Dibbern, Felipe Negro negou os crimes. “Essas denúncias não conferem”, limitou-se a dizer. O advogado Paulo Henrique de Moraes Sarmento falou em nome do padre Leandro: “Das seis pessoas, apenas duas foram ouvidas na delegacia competente para apurar o caso, e as outras quatro foram levadas até outra delegacia, onde foram ouvidas à revelia deste defensor, violando-se o direito de ampla defesa de meu cliente”. O defensor também refuta a história do “mensalinho do abuso”. “O padre Leandro nunca fez nenhum pagamento a dom Vilson”, afirma.
De acordo com as denúncias, o modus operandi dos três sacerdotes é muito similar. A maioria das vítimas nasceu em família pobre e desestruturada — e tinha a Igreja como esteio. Ou seja, os religiosos escolhiam a dedo as pessoas mais frágeis. No começo dos anos 2000, o bairro Jardim Ometto, na periferia da cidade, não tinha ruas asfaltadas nem quadras poliesportivas. Eram comuns assaltos, e pontos de venda de drogas funcionavam no local sem que os traficantes fossem importunados. “A paróquia representava a nossa única fonte de lazer, onde fazíamos amizade e passávamos o tempo”, conta S.M.C. Sua mãe trabalhava como faxineira de uma igreja. De tão humilde, dependia da ajuda da paróquia para fazer todas as refeições. Ele era órfão de pai e projetou no padre a figura paterna. Quando Carlos Alberto avançou o sinal, o adolescente não teve forças para reagir. “Ele me molestou, me tocou e me torturou psicologicamente durante um ano, todos os fins de semana. Dizia que, se eu contasse, seria expulso da igreja, me tornaria um bandido por ser pobre e não ter pai.”
A cartilha do padre Leandro também incluía terror psicológico, com a diferença de que os abusos começaram em incursões de Kombi para rezas na zona rural ou dentro da sacristia. Enquanto estava ao volante do carro, ele pedia às vítimas que se sentassem ao seu lado — e aproveitava para passar a mão nas pernas e no pênis dos garotos. Na sacristia, fazia questão de ver meninos tirando a roupa para usar a túnica de coroinha. Não raro, “ajudava” a vítima a vestir-se para poder tocar em seu corpo. Tempos depois, o padre adotou a tecnologia para assediar fiéis. Uma troca de mensagens por WhatsApp mostra Leandro falando sobre nudes com um rapaz.
O religioso mantém há anos um relacionamento amoroso com o padre Diego Rodrigo, natural de Araras. “Eu presenciei Leandro e Diego se beijando na sacristia e namorando na cama dentro da casa paroquial”, diz a ex-ajudante-geral da igreja Ivone Aparecida Ferreira. Quando Leandro percebeu que a senhora que trabalhava fazia 21 anos para a entidade tinha visto o que não devia, começou a persegui-la. “Ele me expulsou da igreja e eu caí em depressão”, conta Ivone. O padre costuma mover ações contra as pessoas que denunciam seu comportamento. Já processou seis fiéis de sua igreja, alguns por emitirem comentários negativos a seu respeito no Facebook. “Parece uma defesa legítima, mas é uma estratégia de intimidação”, diz a advogada Talitha Camargo da Fonseca. “Em uma comunidade pobre, poucos têm como bancar advogado para brigar nos tribunais.” Apaixonado por luxos, Leandro fez em 2013 uma procissão para Nossa Senhora Aparecida que ficou na história de Americana. Na ocasião, a santa surgiu carregada por um Corvette vermelho conversível. Ninguém sabe até hoje de onde veio o carro e quem pagou. O mesmo padre é acusado de não ter prestado contas da venda de uma chácara que pertencia à Basílica Santo Antônio de Pádua, arrematada por 1,1 milhão de reais.
Do ponto de vista teológico, a pedofilia é um delito no qual se transgride o sexto mandamento, de “não pecar contra a castidade”. Do ponto de vista da humanidade, trata-se de uma monstruosidade. Por séculos, o que se fez foi, no máximo, reportar os crimes ao Vaticano sem nenhuma consequência aos acusados. Os clérigos só começaram a sofrer algum tipo de sanção, ainda que pequena, de pouquíssimo tempo para cá, quando os casos saíram dos muros da Santa Sé, tornando-se públicos. O primeiro episódio de grandes proporções ocorreu em 2002, com a história do cardeal americano Bernard Law, que encobriu crimes sexuais de padres entre 1984 e 2002. O ato de omissão foi divulgado pelo The Boston Globe. Após o escândalo vir à tona, Law se viu obrigado a apresentar sua renúncia como arcebispo de Boston, mas João Paulo II o enviou para Roma e o nomeou, em 2004, vigário da Basílica de Santa Maria Maggiore, uma das mais importantes da capital italiana. Law viveu seus últimos anos no Vaticano. A história foi contada no filme Spotlight, vencedor do Oscar em 2016. Ainda assim, o problema continua grave nos EUA. De acordo com levantamento encomendado pela Conferência dos Bispos dos Estados Unidos, cerca de 5% dos padres americanos cometem atos de abuso. No Brasil, não há estatísticas semelhantes. Mas estima-se que a porcentagem não seja muito diferente.
O papa Bento XVI foi o primeiro a adotar uma postura mais firme em relação a clérigos pedófilos. Em 2010, o pontífice alemão incluiu leigos nos tribunais eclesiásticos que julgariam os casos de abusos. Ao longo de seu pontificado, pelo menos 400 padres acabaram expulsos. A medida de Bento XVI foi surpreendente, porque ele próprio se envolveu em um episódio nebuloso. Entre 1996 e 1998, a Congregação para a Doutrina da Fé, dirigida pelo então cardeal Ratzinger, órgão destinado a investigar e punir os desvios, recebeu inúmeros alertas de bispos dos Estados Unidos em relação aos crimes do padre Lawrence Murphy. O sacerdote abusou de 200 meninos surdos no Estado de Wisconsin. O Vaticano pouco fez.
Em junho de 2016, VEJA denunciou o caso do padre Fabiano Santos Gonzaga. O religioso atacou um adolescente de 15 anos, portador de deficiência mental, no vestiário do Caldas Termas Clube, no interior de Goiás. Gonzaga beijou o menor na boca e segurou seu pênis. Quando o jovem se desvencilhou, o padre bloqueou a porta e o forçou a praticar sexo oral. Levado à Justiça, foi condenado a quinze anos de prisão em regime fechado. Recentemente, a Justiça o transferiu para uma Apac em Araxá (MG). Gonzaga está suspenso de ordens, ou seja, não pode presidir ou celebrar nenhum sacramento nem administrar ou exercer cargo algum na Igreja. Também não recebe salário. O processo eclesiástico do padre está em andamento. Por ora, encontra-se no Tribunal Arquidiocesano, onde é feita a fase de instrução. Após a conclusão da etapa, o caso será enviado para julgamento na Santa Sé. A sentença cabe ao Vaticano. Em situações semelhantes, a Igreja tem demonstrado uma lentidão maior que a Justiça dos homens.
O afastamento do padre Leandro pegou a comunidade do interior paulista de surpresa. Isso porque ocorreu mais de quinze anos após a primeira denúncia. Depois da renúncia de dom Vilson da Diocese de Limeira, o arcebispo dom Orlando Brandes afirmou que o colega pode, sim, celebrar missas em igrejas de outras dioceses se for convidado. Dom Vilson está sendo investigado pela Polícia Civil por extorsão, enriquecimento ilícito e por acobertar os casos de abuso sexual cometidos pelo padre Leandro. “Ao final, demonstraremos a verdade dos fatos”, diz o advogado do bispo, Virgílio Ribeiro. As sequelas nas vítimas são como tatuagens ardendo na alma. Ednan Aparecido Vieira, por exemplo, sofre de síndrome do pânico e tem taquicardia cada vez que relembra o abuso. Hoje, aos 35 anos, o ex-coroinha diz que continua acreditando em Deus. Mas tem ódio de sacerdotes. “A imagem do padre vindo para cima de mim nunca saiu da minha cabeça”, conta. A Igreja avançou contra essas monstruosidades praticadas por homens que deveriam ser líderes espirituais e se aproveitaram dessa condição para molestar crianças. Mas ainda há um longo caminho para expurgar todos os seus pecados.
“Saiu do banheiro de cueca e veio na minha direção”
“Era coroinha e andava de carro com o padre Pedro Leandro Ricardo para os trabalhos da igreja. Um dia, ele começou a esbarrar a mão na minha perna, e eu achava que poderia ser brincadeira. Em um sábado, convidou-me para dormir na casa paroquial porque iríamos celebrar missa no domingo. Fiquei sozinho com ele. O padre perguntava se eu tinha namorada, se eu era virgem… No meio da conversa, abriu um vinho e pediu que eu bebesse. Eu tinha 17 anos. Tomou quase a garrafa inteira. Depois, foi ao banho. Quando voltou, vestia apenas uma cueca samba-canção. O pênis estava ereto, marcando o tecido. Veio em direção ao sofá, começou a se masturbar e pediu que eu fizesse sexo oral nele. Mesmo com a minha recusa, começou a acariciar meu pênis. Fiquei em choque e me levantei. Não fizemos nada. Não consegui dormir, de pânico. No dia seguinte, na missa, só lembrava da imagem dele vindo para cima de mim.”
“Enquanto eu vestia a túnica de coroinha, o padre aproveitava para me tocar”
“O padre Pedro Leandro Ricardo me olhava de forma diferente. Eu tinha 16 anos, quando ainda não me entendia como uma mulher transexual. Como meu pai havia morrido, achava que o pároco tinha carinho por mim. Ele começou a ficar ao meu lado enquanto eu vestia a túnica de coroinha. Depois, passou a me ajudar com as vestes para tocar o meu corpo, com a desculpa de desamassar o tecido. Um dia, abriu as minhas pernas e segurou as minhas coxas. Dei um berro na sacristia e saí correndo. Meu corpo tremia. Na hora, lembrei do abuso sexual que havia sofrido aos 3 anos do meu padrasto. Após o episódio, o Leandro me tirou das atividades da igreja. Tempos depois, já com 18 anos, quando fui estudar no seminário, tive um caso com outro padre, o Felipe Negro. ‘Quem não tem padrinho morre pagão’, ele me dizia. Eu era pobre, e o padre me oferecia dinheiro para comprar roupa. Em troca, tinha de transar com ele. Seminário é uma fábrica de pervertidos: há sexo, coação, abuso de poder… Desisti de ser padre. Meus abusadores percebiam meus trejeitos femininos, eu era uma presa mais fácil. Hoje sou uma mulher trans e, apesar de tudo, não perdi minha fé em Deus.”
“Enquanto dirigia, o padre pegou no meu pênis”
“Minhas duas irmãs mais velhas morreram por problemas de saúde e minha família ficou muito apegada à igreja. Nós nos sentíamos acolhidos, protegidos. Fui por muitos anos coroinha da Paróquia São Francisco de Assis, na periferia de Araras. Quando o padre Pedro Leandro Ricardo assumiu a igreja, em 2002, mantive minha rotina de ajudar nas missões na zona rural. Na época, eu tinha 16 anos. Em um de nossos primeiros encontros, ele elogiou meu corpo e meu visual. No carro, esbarrou na minha perna. Depois, celebrou a missa como se nada tivesse acontecido. Na volta, porém, foi mais direto: enquanto dirigia, pegou no meu pênis. Tivemos uma discussão feia dentro do carro. No dia seguinte, enquanto eu vestia a túnica de coroinha da missa de domingo, Leandro disse que não precisava mais de mim. Como não pôde avançar no abuso, ele me expulsou da igreja. O monstro não conseguiu o que queria e me tirou a base da minha vida social. Por medo, não contei aos meus pais. Eles amavam a igreja, e eu não quis desapontá-los. Segue assim até hoje. Fiquei com sequelas e cheguei a tomar remédio para síndrome do pânico.”
“Ele me masturbava e dizia que isso era normal”
“Meu pai morreu quando eu tinha menos de 2 anos e minha mãe trabalhava como faxineira na igreja. Eu vivia ali dentro. Fui coroinha e sonhava em ser padre. O padre Carlos Alberto da Rocha era para mim uma figura paterna. Meu martírio começou aos 16 anos. Eu o ajudava nas missas e, muitas vezes, dormia na casa paroquial, pois estudava em outra cidade. Quase toda noite, durante um ano, ele me molestou (chora). O padre tocava meu pênis, me masturbava. Minha primeira ejaculação foi resultado de uma experiência de medo, forçada, nojenta. O padre dizia que aquilo era normal e fazia ameaças. Dizia que, se eu abandonasse a Igreja, iria virar um bandido por ser pobre. E também que ninguém acreditaria na minha palavra porque não tinha pai (chora). Pouco antes de morrer de câncer, minha mãe me disse, deitada na cama: ‘Sorte que o padre vai cuidar de você’ (chora muito). Ela foi embora sem saber que seu ídolo era um monstro. Quando comecei a trancar a porta do quarto e interrompi os abusos, Carlos Alberto me tirou da paróquia. Passados alguns meses, quando eu era seminarista, foi a vez de o padre Pedro Leandro Ricardo me atacar. Dentro de uma Kombi, a caminho de uma missa, ele pôs a mão em meu pênis. Resisti ao ataque e, uma semana depois, ele veio me dizer que eu havia ‘interpretado errado’. Abandonei o sonho de ser padre. Hoje sou casado, tenho uma filha de 3 anos. Minha mulher não sabe de nada.”
“O padre ofereceu um emprego e me chamou para tomar vinho”
“O padre Felipe Negro era novo na paróquia quando me mandou um ‘oi’ no Facebook. Eu tinha 16 anos. Ele começou a conversar comigo e perguntou se eu trabalhava. Venho de uma família pobre e estava buscando emprego. Felipe me prometeu que eu seria sua secretária. Um dia, sugeriu que fôssemos jantar. Ficava me perguntando se eu tomava bebidas alcoólicas e me oferecia coisas caras. Prometia celular ou roupas de marca se eu topasse um encontro. Concordei em jantar na sua casa, na esperança de arrumar o emprego. Fomos pegar uma pizza. Comemos e tomamos vinho. Ele não falou nada sobre o trabalho. Não aconteceu nada entre nós, e ele me levou de carro de volta para casa. O padre me chamava de ‘anjo’, ‘linda’ e ‘amor’. Dizia que queria repetir o encontro porque aquela tinha sido uma noite muito agradável. Foi aí que me dei conta de que a conversa não tinha nada a ver com emprego. Meus pais conversaram bastante comigo e disseram que o padre estava mal-intencionado. Senti muita vergonha e uma tristeza imensa. Agora somos só eu e Deus. Para a igreja não vou mais. Nunca mais vou ver um padre com bons olhos.”
Denúncias via WhatsApp: Envie mensagens anônimas para o número 11 99967-9374 para denunciar casos de abuso na Igreja.
Colaboraram Guilherme Novelli e Giulio Ferrari
Publicado em VEJA de 17 de julho de 2019, edição nº 2643
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