Em meio à escalada da violência no Rio de Janeiro, o Ministério Público estadual decidiu retirar, há duas semanas, a segurança de um promotor ameaçado de morte. Leandro Navega, de 38 anos, atuava em um processo envolvendo a mulher de um traficante quando recebeu a seguinte informação de uma pessoa próxima: o traficante Gê Gatinho, chefe do Comando Vermelho no Complexo do Viradouro, em Niterói, sabia todos os detalhes da sua rotina: a cor do seu carro (e o fato de ser blindado), o endereço da sua residência e até o horário que levava o filho para a escola.
Logo depois de avisar o MP, Navega teve a segurança reforçada (ele já tinha escolta por ter atuado no caso da morte da juíza Patricia Acioli) e foi retirado da promotoria do tribunal do Júri de Niterói, onde trabalhava desde 2011. O promotor foi nomeado recentemente subcoordenador do Instituto de Educação e Pesquisa (IEP/MPRJ), uma área distante da linha de frente das ações penais.
Segundo o relato de Navega, diversos casos sobre Gê Gatinho passaram pelas suas mãos. No principal deles, o bandido foi condenado por executar o parente de um policial militar e ferir um comandante de batalhão. Gê também respondeu pelo roubo a um carro forte e foi acusado de usar o Facebook de dentro da cadeia para se comunicar com a família. De acordo com as informações de Navega para o MP, o incômodo do bandido com as investigações já era público em Niterói.
A insatisfação do traficante mudou de patamar quando Navega atuou em um julgamento por associação ao tráfico na 2ª Vara Criminal. O promotor rejeitou a revogação da prisão preventiva da mulher de Gê, chamada Jacqueline Lacy Ribeiro Caccavo. O recado do traficante foi claro para uma pessoa mantida sob sigilo por Navega: “Isso não vai ficar assim, não aceito perseguirem a minha família”, teria dito Gê. O promotor foi substituído e quem entrou no seu lugar acabou opinando pela prisão domiciliar de Jacqueline. Ela, que estava foragida desde então, já apresentou recentemente seu endereço para a Justiça.
Procurado, o MP informou que retirou a escolta porque houve uma “avaliação técnica realizada por um comitê responsável, submetido à Coordenadoria de Segurança e Inteligência”. A assessoria de imprensa da instituição disse ainda que a transferência de função de Navega está ligada ao seu perfil acadêmico. Sobre o motivo de ter mudado de opinião sobre a prisão preventiva de Jacqueline semanas após o relato de ameaça, o MP não se manifestou.
Não é a primeira vez que a segurança de Navega provoca rebuliço no Ministério Público. O promotor sempre teve escolta porque os setores de inteligência do MP e da polícia detectaram que existiam planos para mata-lo por causa da sua atuação na investigação envolvendo o homicídio da juíza Patricia Acioli cometido por uma quadrilha de policiais militares. Em maio de 2014, a instituição retirou o carro blindado que era usado pelo promotor e o avisou de que retiraria em breve os seguranças. O caso provocou a gritaria do seu pai, o procurador Carlos Antonio Navega, na época rival do então procurador-geral de Justiça do Rio, Marfan Vieira Martins. O atual chefe do MP é José Eduardo Gussem, aliado de Marfan.
Há três anos, o MP chegou a explicar que os veículos blindados haviam sido apreendidos judicialmente após ação penal contra os proprietários da empresa locadora. O pai de Navega não aceitou a desculpa, dizendo publicamente que os promotores em risco não poderiam ficar sem proteção independente dos motivos.