Já eram 23h30 do dia 17 de outubro do ano passado quando chegou a proposta indecente via WhatsApp: “Tomou um vermelhinho no primeiro tempo, já era. Serão 400 000 reais a mais na fortuna”. O receptor da mensagem era o zagueiro Joseph Maurício, 28 anos, do Tombense (MG), clube que disputa a Série B do Brasileiro. A oferta em questão: ser expulso contra a Chapecoense (SC) dali a quatro dias. “Coisa grande, né?”, respondeu o jogador. Apesar de tentado pela sondagem, ele acabou rejeitando o negócio. Duas semanas depois, Joseph recebeu uma segunda oferta: cometer um pênalti no primeiro tempo contra o Criciúma (SC), em 5 de novembro. Aos trinta minutos da primeira etapa, ele abraçou um adversário na área após cruzamento. Pênalti marcado, gol dos catarinenses e um PIX de 150 000 reais na conta de Joseph. Ele nega a acusação, mas está no banco dos réus com mais treze pessoas acusadas de integrar o maior esquema de manipulação sob investigação no país e que já atinge até partidas envolvendo clubes da elite nacional.
A reportagem de VEJA teve acesso a diálogos em poder do Ministério Público de Goiás, responsável por investigar o caso, que mostram como funcionava o esquema (veja alguns deles abaixo). A Operação Penalidade Máxima 1 começou quando o presidente do Vila Nova (GO), Hugo Jorge Bravo, tomou conhecimento de que um de seus jogadores, Marcos Vinicius Alves Barreira, o Romário, estaria envolvido em manipulações de resultados e em situação muito delicada. Ele teria contraído uma dívida com uma quadrilha após pedir 10 000 reais adiantados para entregar a um colega de time, comparsa no esquema. O dinheiro foi destinado, mas a promessa de pênalti não foi cumprida e o bando deixou de arrecadar 500 000 reais. Com o “rombo”, o grupo criminoso, liderado por Bruno Lopez de Moura, o BL, não conseguiu arcar com outros compromissos e deixou descontente uma parte dos executores do plano.
À medida que o MP puxou o fio da meada, ficou claro que os tentáculos iam além do futebol goiano. Mesmo com a investigação, o grupo continuou manipulando apostas em 2023 e chegou aos campeonatos estaduais de São Paulo, Paraíba, Mato Grosso e Rio Grande do Sul. Dos seis jogos da Série A de 2022 sob suspeita, quatro já tiveram confirmações de irregularidades, segundo os investigadores: Santos x Avaí, Santos x Botafogo, Palmeiras x Juventude e Goiás x Juventude. Os atletas investigados são os zagueiros Paulo Miranda (Juventude) e Eduardo Bauermann (Santos) e o meia Gabriel Tota (Juventude). Eles negam ter participado do esquema.
A quadrilha de Bruno Lopez começou a atuar em meados de 2022 e era dividida em núcleos: intermediadores, apostadores, administrativo e financiadores. Tudo era tratado via WhatsApp. Depois que os intermediadores faziam o primeiro contato e acertavam os valores, os financiadores entravam em cena para disponibilizar o valor da “entrada”. Um desses era Zildo Peixoto Neto, primo de Camila Silva da Motta, esposa e sócia de Bruno Lopez na BC Sports Management. Em depoimento, Neto contou que o grupo se cotizava para conseguir os recursos. “O Bruno disse que um jogador do Novo Hamburgo (RS) pediu 15 000 reais de adiantamento para cometer um pênalti. Ele mandou 6 000 reais, eu mandei 6 000 e o Ícaro (outro investigado) mandou o restante. Em outro caso, eu mandei 7 500 reais para um jogador do Vila Nova”, disse.
A operação conduzida em Goiás é a maior, mas não é a única. Em São Paulo, por exemplo, a polícia investiga ao menos dezoito casos de fraudes envolvendo jogos do Brasileirão Feminino e de torneios menores da Federação Paulista. Para tentar obter uma visão mais abrangente do problema, o Congresso instalou em abril a CPI das Apostas Esportivas, cujo objetivo é juntar o maior número de apurações.
A atuação de grupos criminosos vem na esteira da vertiginosa expansão do mercado de apostas esportivas no Brasil. O setor, que movimentava 2 bilhões de reais em 2018, agora projeta 20 bilhões de reais para este ano. A estimativa é que cerca de 1 000 sites atuem no país. Embora eles permitam apostas em vários esportes, é no futebol que têm ganhado visibilidade — dezenove dos vinte clubes da Série A são patrocinados por empresas do tipo. O crescimento também está na mira do governo Luiz Inácio Lula da Silva, que vai regulamentar a atividade e passar a cobrar impostos. A terra sem lei que virou esse negócio bilionário, de fato, exige toda a preocupação possível das autoridades. O jogo tem de ser limpo.
Publicado em VEJA de 10 de maio de 2023, edição nº 2840