Novo acordo encerra ação de R$ 20 bilhões por tragédia de Mariana
Samarco, Vale e BHP não colocarão mais recursos para recuperação ambiental, mas permitirão que atingidos participem da definição de medidas a ser adotadas
No último dia do prazo, a mineradora Samarco e as autoridades conseguiram firmar um novo acordo para reparação dos danos causados pelo rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana (MG), em 2015. O acidente, a maior tragédia ambiental do Brasil, deixou dezenove mortos, centenas de desabrigados e poluiu o Rio Doce.
O novo pacto extingue uma ação civil pública de 20 bilhões de reais e suspende a tramitação de outra, de 155 bilhões de reais, movida contra a empresa e as controladoras, os gigantes Vale e o anglo-australiano BHP Billiton. O acerto é válido até o cumprimento de todas as medidas exigidas ou repactuação dos programas. Entretanto, o acordo em nada afeta o processo criminal do Ministério Público Federal contra 22 pessoas, entre elas, funcionários da Vale, Samarco e BHP Billiton, acusados de homicídio — os envolvidos negam crimes.
Para chegarem a um acerto, o juiz da 12ª Vara da Justiça Federal de Belo Horizonte precisou prorrogar o prazo cinco vezes. Na nova versão, Samarco, Vale e BHP não se comprometem a colocar mais recursos, mas abrem espaço para que os atingidos e o próprio poder público participem da definição das medidas a ser adotadas. O acordo é, na verdade, uma repactuação do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado cerca de quatro meses após o acidente, em março de 2016.
“O acordo é importante pois demonstra convergência de interesses entre as partes, Vale, BHP Brasil, Samarco, Ministério Público, Advocacias Públicas e Defensorias Públicas, representando um avanço adicional para os atingidos, pois consolida e amplia o alcance das ações que já vinham sendo implementadas pela Fundação Renova”, comentou Fabio Schvartsman, presidente da Vale.
“Há uma grande parte da ação civil pública, diria quase a totalidade, que terá o seu curso. Que poderá até, se a gente chegar a uma repactuação, ser extinta em quase a sua totalidade. Porque tem coisas na ação civil pública que não são objeto de transação, de acordo”, disse o procurador do Ministério Público Federal de Minas (MPF), José Adércio Leite Sampaio. De acordo com ele, a análise sobre a repactuação deverá ocorrer dentro de dois anos.
Atingidos
O advogado-geral do Estado, Onofre Alves Batista Júnior, afirma que o acordo “foi melhorado em muito”, sobretudo sob o ponto de vista técnico. “Ele contempla aspectos que no primeiro Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) se teve dificuldade de contemplar”, disse. “Grande parte da crítica era a ausência de participação da população atingida”, afirma a promotora Andressa Lanchotti, do Ministério Público de Minas Gerais.
A expectativa das três companhias é destravar a execução dos 42 programas acordados inicialmente, que vêm enfrentando diversas restrições. A Fundação Renova, criada para gerenciar as ações de reparação, continua à frente das ações, mas terá uma nova governança, com nove membros em seu conselho curador: dois representantes dos atingidos e um do poder público, além dos seis das empresas. Além disso, são criadas duas novas instâncias de discussão — um conselho inter-federativo e 39 Comissões Regionais — para dar voz às vítimas do acidente e ampliar os mecanismos de controle.
Com isso, os pedidos dos atingidos terão de ser formulados, alinhados e arbitrados nas várias instâncias e ainda passarão pelo crivo de três consultorias. Lactec e Ramboll, que já haviam sido contratadas por exigência do Ministério Público, continuarão avaliando impactos e a execução dos programas, respectivamente. A Fundação Getulio Vargas (FGV) foi incorporada por indicação das empresas para monitorar a gestão da governança. “A expectativa é que, com o apoio das consultorias, as decisões sejam tomadas por critérios mais técnicos do que políticos”, disse uma fonte que acompanhou a negociação.
Mas o novo acordo já é alvo de críticas por parte das famílias. O coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Joceli Andrioli, disse que as perícias técnicas já feitas para avaliação dos danos estão “comprometidas” por influência das empresas. “A participação é um direito, e não concessão. Neste momento o que estamos vendo são os atingidos com participação minoritária, ou seja, provavelmente serão usados para legitimação de um processo. É um crime que continuará impune”, disse.