O sumiço da areia: erosão costeira ameaça cartões-postais pelo país
Fenômeno é consequência de dois grandes desafios dos tempos modernos: o avanço das cidades e as mudanças climáticas
Ao chegar à Avenida Atlântica, na orla de Balneário Camboriú, em Santa Catarina, é possível ver de um lado condomínios excessivamente altos e centenas de restaurantes, lojas e espaços de lazer que fazem a economia local girar, principalmente no verão, e que renderam à cidade o exagerado epíteto de “Dubai brasileira”. Do outro, está o mar da Praia Central, com uma longa faixa de areia artificialmente alargada por megaobra feita em 2021, durante dez meses, ao custo de 66,8 milhões de reais. Com a ajuda de uma draga e um sistema de tubos, a prefeitura “engordou” a praia de 25 para 180 metros em alguns trechos.
Faltou apenas combinar com o Oceano Atlântico. Pouco tempo depois, o mar retomou o espaço que era seu e engoliu cerca de 70 metros do “puxadinho” litorâneo. O vaivém da areia em Balneário Camboriú é consequência direta da especulação imobiliária (que ergueu um paredão de prédios perto demais do mar) e dos fatores ambientais, que permitiram a erosão ao longo dos anos. No caso da cidade catarinense, fala-se agora em isolar o local onde ocorreram os estragos para a execução de novas obras, numa batalha que promete ser inglória contra as forças da natureza.
O fenômeno do sumiço de praias não é uma exclusividade de Camboriú: ele afeta todo o litoral brasileiro. A área de praias, dunas e areais do país recuou 15% entre 1985 e 2021, segundo levantamento do instituto MapBiomas, com base nos dados mais recentes. O avanço de infraestruturas urbanas é um dos problemas. “Estão construindo estradas e condomínios sobre dunas”, diz Pedro Walfir, professor da UFPA e membro da equipe de zona costeira do MapBiomas. Os estragos do avanço desordenado acabaram sendo potencializados nos últimos tempos pela elevação do nível do mar e dos rios em razão do aquecimento global.
Um exemplo emblemático de erosão está em Atafona, distrito de São João da Barra, no Rio de Janeiro, onde o mar avançou mais de dez quarteirões, destruindo o que tinha pela frente no vilarejo de 7 000 habitantes. O assoreamento do Rio Paraíba do Sul, que ali encontra o oceano após percorrer três estados, e a construção de barragens afetaram o transporte de areia para a costa e agravaram o processo. Em Olinda, no Pernambuco, e Fortaleza, no Ceará, estruturas chamadas de espigões ou quebra-mares foram construídas para conter o avanço do oceano. A empreitada não teve o efeito esperado e acabou transferindo o problema a praias vizinhas.
Devido ao risco de acidentes, interdições ocorrem agora com frequência. São Vicente, no litoral paulista, isolou parte da orla para que pesquisadores do Serviço Geológico do Brasil fizessem um estudo sobre a erosão que ameaça o local. O mesmo ocorre no Morro do Careca, um dos pontos turísticos de Natal, no Rio Grande do Norte, que sofre processo de erosão e risco de desmoronamento, segundo um relatório preparado por determinação do Ministério Público Federal.
A erosão costeira tende a piorar, principalmente por conta do avanço das mudanças climáticas. A frequência das tempestades, a elevação do nível do mar e o aquecimento global, unidos à urbanização e à ação humana, devem acelerar o sumiço de parte das praias. O aumento da intensidade dos ventos, principalmente na Margem Equatorial, também influencia na energia das ondas e na remoção da areia. “Os sedimentos são retirados pela força das águas, vão em direção ao oceano e muitos deles não voltam porque o nível do mar está aumentando com o aquecimento global”, afirma Marcelo Sperle, professor da Faculdade de Oceanografia da UERJ.
As mudanças climáticas também aceleram o processo erosivo nos litorais da Inglaterra e Espanha. Até locais históricos, como as praias da Normandia (França), que serviram para o desembarque das tropas aliadas na ofensiva contra a Alemanha nazista conhecida como Dia D, também estão sob ameaça — relatório climático aponta que dois terços da costa na área estão desaparecendo.
Para além das ameaças a cartões-postais litorâneos, o fenômeno desencadeia uma série de prejuízos sociais e econômicos. No Brasil, os estragos são democráticos. O encolhimento das praias engole receitas das comunidades caiçaras que dependem do turismo, enquanto mansões de veraneio erguidas sobre dunas passam a correr risco de desabamento. “Há intervenções que podem reduzir as taxas de erosão, como a construção de sistemas de recifes artificiais”, diz Paulo Horta, professor do Departamento de Botânica da UFSC. Mas o combate mais efetivo ao problema exige políticas ambientais e urbanísticas. O sumiço acelerado das praias mostra que essas medidas são cada vez mais urgentes.
Publicado em VEJA de 28 de Junho de 2023, edição nº 2847