Paciente com epilepsia controlada pode dirigir, diz especialista
Dois terços dos portadores têm reação satisfatória a tratamento; motorista disse que ataque epiléptico o levou a sofrer apagão e atropelar 18 em Copacabana
Pacientes diagnosticados com o distúrbio neurológico conhecido como epilepsia e que se encontram sob uso de medicação antiepilética podem dirigir se estiverem há um ano sem crise, é o que diz a Associação Brasileira de Educação de Trânsito. Segundo especialistas, cerca de dois terços – aproximadamente 70% – das pessoas com a enfermidade têm uma resposta satisfatória aos medicamentos, conseguindo controlar suas crises e, desde que consigam preencher determinados pré-requisitos, podem tirar, com limitações, a Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
Na noite de quinta-feira, 18, Antonio de Almeida Anaquim, de 41 anos, invadiu o calçadão da Praia de Copacabana e atropelou 18 pessoas – um bebê de oito meses morreu. À polícia ele alegou que teve um ataque de epilepsia que o levou a sofrer um apagão. Remédios contra o distúrbio foram encontrados no veículo. Ao Detran-RJ (Departamento Estadual de Trânsito), no entanto, ele omitiu ser portador do problema ao tirar a sua CNH.
Para o médico neurologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMU-USP) Lécio Figueira, ter epilepsia não é sinônimo de não poder dirigir. “Existe, legalmente, todo um fluxo para a liberação da direção de veículos a pessoas que têm epilepsia”. Segundo o Departamento Estadual de Trânsito (Detran), o paciente que faz uso regular de medicamentos e se encontra há um ano sem ter crises epiléticas pode retirar a carteira de motorista para a categoria B (somente para carros), desde que apresente um laudo médico. Direção profissional e de motocicletas, entretanto é proibida. Caso ele esteja saindo da medicação, poderá dirigir se estiver há no mínimo dois anos sem crises e ficar mais de seis meses sem tomar remédios.
“Isso é algo que está embasado. Estudos mostram que, para pacientes com epilepsia que preencham esses pré-requisitos, o risco de causar um acidente é muito baixo, semelhante ao risco de outras pessoas. O que tem que ficar claro é que qualquer um de nós pode ter um mal-estar e acabar sofrendo um acidente”, diz o neurologista.
Segundo Figueira, é necessário ter cautela e evitar ao máximo que pacientes com essa condição e que têm um risco maior de causar um acidente dirijam colocando ela e outras pessoas em perigo. Ele explica que a epilepsia é uma doença neurológica – e não mental – em que a pessoa sofre uma espécie de “curto-circuito” cerebral, que causa uma alteração no funcionamento do órgão e leva a pessoa a experimentar sensações estranhas, como distorções ou movimentos descontrolados, a depender da região cerebral que foi atingida. As crises podem ser parciais ou generalizadas em diferentes níveis, por isso, alguns apresentam sintomas mais ou menos evidentes – o que não significa que o problema tenha importância menor se a crise for menos aparente.
Apesar do controle do distúrbio ser possível em alguns pacientes, não são todos que compõem esse quadro. “A grande divisão entre as pessoas com epilepsia é entre aqueles que podem ser controlados por medicamentos e aqueles que não”, diz o médico. Aproximadamente 30% dos diagnosticados com epilepsia não respondem bem à medicação – para controlar a condição, muitas vezes, eles precisam passar por cirurgias.
Segundo o médico, não é simples diagnosticar um caso de epilepsia. É necessário um acompanhamento do paciente, afirma Figueredo, que reitera a importância de o paciente não omitir a doença para o Detran e seguir as orientações dos médicos. “Já tive pacientes que, mesmo com as orientações, só pararam de dirigir depois de uma acidente grave. Tive um caso em que meu paciente acordou no carro dentro de uma loja depois de uma crise”, afirmou.
“O paciente tem que ter a noção de que, ao omitir a doença para tirar a CNH, ele só está piorando a situação dele”, diz. Para Figueredo, há a necessidade de se discutir o regulamento de trânsito e pensar em uma forma mais efetiva de evitar casos de omissão da doença. Ele expressa a necessidade de as pessoas com o transtorno procurarem tratamento. “A epilepsia não precisa ser encarada de maneira diferente. Se você tem um problema, precisa tomar o remédio, ficar com a doença controlada e tocar sua vida tranquilamente.”, conclui.