Papéis revelam segredos entre Eduardo Cunha e Geddel
Cunha mantinha registro de negócios a cargo do ex-ministro. Para a PF, políticos ajudavam empresários como Eike Batista a receber recursos da Caixa
A Polícia Federal deflagrou na manhã desta sexta-feira a operação “Cui Bono”, expressão em latim que significa “a quem interessa?”, tendo como principal alvo o ex-ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima. A investida dos investigadores é resultado da análise de mensagens de celular, documentos e e-mails apreendidos em endereços ligados ao ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, em dezembro de 2015. Esse vasto material, obtido por VEJA, dá a dimensão de como funcionava a quadrilha que arrecadava propinas na Caixa Econômica Federal – e os seus principais integrantes.
Entre os documentos encontrados pela PF, estavam papéis com uma relação de empresas que pleiteavam empréstimos e financiamentos na Caixa, além de informações detalhadas sobre taxas de juros, prazos das transações e os valores de cada operação. Uma folha, destacada com o título “Pipe Line Geddel” (o equivalente a “Duto Geddel”), faz referências a companhias como Eldorado, Flora, Vigor, Bertin e J&F. Há ainda outro material, chamado de “Pendência Geddel”, que lista uma série de operações de crédito envolvendo a J&F, a Hypermarcas e a Gol.
Mensagens trocadas entre Eduardo Cunha e Geddel reforçam os indícios de que os dois peemedebistas se aliaram para manipular empréstimos e investimentos liberados pela Caixa. Em 30 julho de 2012, por exemplo, Cunha e Geddel trataram de uma liberação de um financiamento da Marfrig. “Voto sai hj”, informa Geddel para Cunha. Um mês depois, a Marfrig, quando estava com a corda no pescoço e prestes a se desfazer de alguns negócios para quitar a sua dívida, fechou um empréstimo de 350 milhões de reais com a Caixa. Em outro caso, envolvendo a empresa de eletrônicos Digibras, o ex-ministro escreve para o ex-presidente da Câmara: “Já estou entrando no circuito”.
EIKE NA MIRA
Apesar de estar fora da operação deflagrada nesta sexta-feira, o empresário Eike Batista também está na mira dos investigadores. A Polícia Federal encontrou mensagens de Cunha que tratam de negócios do interesse do fundador do grupo EBX. Em abril de 2012, o ex-presidente da Câmara mandou mensagem para uma pessoa identificada como Gordon Gekko. O apelido, uma referência ao especulador do mercado financeiro interpretado pelo ator americano Michael Douglas no filme Wall Street – O Dinheiro Nunca Dorme, era usado por Fábio Cleto. “E Eike?”, indagou o ex-presidente da Câmara. “Eike tudo bem, abordado o tema do FI”, respondeu Cleto. “Conversei com ele e com vp de relacoe inst (amaury) sobre isso, dizendo de onde vem a resitencia e de que maneira esta sendo encaminhado”, informou Cleto (as mensagens estão reproduzidas conforme foram escritas). Para os investigadores, “fica claro o interesse de Eduardo Cunha no andamento dos financiamentos das empresas ligadas a Eike Batista”.
Cunha não era o único interessado em ajudar o empresário Eike Batista, que chegou a ser um dos homens mais ricos do mundo antes de as suas empresas derreteram na Bolsa de Valores. Quatro meses depois da mensagem de Cunha, em junho de 2012, o ex-presidente da Câmara André Vargas escreveu para Cleto: “Eike estará com hereda hoje?”. Hereda é Jorge Hereda, ex-presidente da Caixa. O vice-presidente de Câmara responde para o parlamentar petista: “Hj tem assinatura de um contrato para osx…imagino que sim”. Vargas demonstra ter conhecimento de detalhes da transação: “Eles estao pedindo para mudar estrutura da operacao o que faz com que a coisa volte ao comite que estara conturbado”. Para a Polícia Federal, as mensagens “indicam a gestão de interesses de Eike Batista e suas empresas pelo então deputado federal André Vargas e Fábio Cleto junto ao comitê diretor do FI-FGTS”.
Em 2012, a empresa de logística LLX, então controlada por Eike Batista, captou 750 milhões de reais no FI-FGTS para a construção do Porto de Açu, no Rio de Janeiro. Os recursos estavam travados na Caixa por conta das garantias apresentadas pela companhia, que eram consideradas insuficientes para o banco estatal autorizar a operação. De acordo com a delação de Cleto, Cunha atuou para contornar esse impasse – e, em troca, a empresa de Eike pagou 6 milhões de reais em propinas. Os envolvidos negam as suspeitas de irregularidades.