Perdeu a graça: o sonho do MBL de fazer de Gentili um presidenciável
Em busca de uma alternativa de terceira via para 2022, o país chegou perto de viver um roteiro de distopia. Felizmente, a piada não prosperou
Quando transmitiu um episódio baseado na possibilidade de um humorista chegar ao Parlamento, a aclamada série britânica Black Mirror arrancou risos nervosos do público. Mas não estamos tão longe assim dessa distopia, como mostra a eleição do comediante Jimmy Morales para a Presidência da Guatemala, em uma escrita repetida pelos humoristas Vladimir Zelensky, na Ucrânia, Marjan Sarec, na Eslovênia, e, recentemente, com a vitória de Slavi Trifonov nas eleições legislativas da Bulgária. A busca por uma terceira via para concorrer nas eleições de 2022 aproximou o país de viver roteiro parecido com a mobilização do Movimento Brasil Livre (MBL) pela candidatura de Danilo Gentili para disputar a Presidência e fazer frente aos atuais favoritos Jair Bolsonaro (sem partido) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
À semelhança de seus colegas de profissão vitoriosos no exterior, o humorista brasileiro também encampa um discurso antissistema e, por aqui, projeta sua artilharia sobre os dois principais concorrentes do pleito — o que lhe rende algumas dezenas de processos. Depois que Gentili defendeu a ideia de que a população entrasse no Congresso e “socasse todo deputado” favorável à PEC da Impunidade, um pedido de prisão da Câmara dos Deputados despertou uma reação nas redes sociais, que o colocaram na arena de 2022. O MBL levou a brincadeira a sério e resolveu testá-lo em uma pesquisa interna: o humorista alcançou 4% das intenções de voto, ao lado de nomes como o governador paulista João Doria (PSDB) e o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (DEM).
Gentili, por sua vez, se animou: vestiu a faixa presidencial, tirou foto com camiseta de campanha, celebrou o apoio do ex-juiz Sergio Moro e projetou um ministério com colegas da TV. Em tom de provocação, o movimento Curitiba Contra a Corrupção instalou um outdoor na capital paranaense promovendo a candidatura. Aos poucos, porém, a história foi perdendo a graça, a ponto de o MBL desembarcar recentemente do projeto. Pesaram contra os compromissos profissionais do humorista, apresentador do talk show The Noite, exibido nas madrugadas do SBT. Como todos sabem, a emissora de Silvio Santos conta com a simpatia do Palácio do Planalto e não demonstra nenhuma pretensão de causar problemas a Bolsonaro — que já foi acusado por Gentili de pedir sua demissão. “Se as contingências da vida não permitem que ele leve adiante a candidatura, tudo bem. Não vamos forçar a barra”, diz Renan Santos, coordenador do MBL.
Com o humorista e João Amoêdo, presidenciável do Novo em 2018 e também considerado alinhado ao MBL, fora do páreo, o movimento que se notabilizou pelos protestos pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT) e pela atuação barulhenta nas redes sociais volta à busca por um candidato para chamar de seu. A primeira condição para conseguir o apoio do grupo é defender abertamente a saída de Bolsonaro. Por enquanto, quem largou em vantagem nesse quesito foi João Doria, que já fez um aceno: em um recente podcast do MBL, o tucano declarou apoiar os protestos marcados para o dia 12 de setembro, que também são convocados pelo Vem Pra Rua e pelo Livres. Doria, porém, enfrenta algumas resistências. Um dos principais nomes do MBL, o deputado estadual Arthur do Val, o Mamãe Falei, é candidato de oposição ao governo do PSDB em São Paulo.
Enquanto discute quem deve apoiar ao Palácio do Planalto em 2022, o movimento começa a cuidar da organização de um ato que faça frente, nas ruas, aos protestos de esquerda contra Bolsonaro. A intenção do MBL é expandir as manifestações para mais capitais além de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília. Há, porém, dificuldades, como em Curitiba, onde os movimentos outrora animados pela Lava-Jato nem sequer chegaram a um consenso sobre o impeachment. Gentili, por sua vez, segue com seu ganha-pão no SBT, onde tem contrato pelo menos até 2022 — e com trabalho, como se sabe, não dá para brincar.
Publicado em VEJA de 28 de julho de 2021, edição nº 2748