Uma semana após a morte de dez trabalhadores rurais na Fazenda Santa Lúcia, no município de Pau D’Arco (PA), por policiais militares durante uma reintegração de posse, o governo federal determinou que Polícia Federal entrasse na investigação do caso. A chacina é a maior envolvendo conflitos no campo desde o massacre de Eldorado dos Carajás, também no Pará, em 1996, que deixou 19 mortos, também em confronto com a polícia.
A autorização foi um dos primeiros atos do novo ministro da Justiça, Torquato Jardim, empossado na quarta-feira pelo presidente Michel Temer (PMDB), em substituição a Osmar Serraglio, identificado com a bancada ruralista e o agronegócio. Serraglio não havia feito nenhuma declaração sobre o massacre, assim como Temer. A única do primeiro escalão federal a se manifestar foi a ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, que classificou a chacina de “vexatória, constrangedora e inadmissível”.
A entrada da PF no caso atende a um pedido do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), ligado ao governo federal, com base na Lei 12.986, de 2014, que estabelece a competência do conselho para pedir às autoridades que instaurem inquérito policial ou procedimento administrativo para apurar as responsabilidades por casos de violações aos direitos humanos. A lei também estabelece a obrigação da PF designar delegados, peritos e agentes federais.
No pedido de atuação federal, assinado pelo presidente do CNDH, Darci Frigo, a ocorrência é considerada uma violação a tratados internacionais do qual o Brasil é signatário, como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1992, e a Convenção Contra a Tortura ou Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 1991, além de recomendações da Organização das Nações Unidas (ONU).
Ao determinar a atuação da PF no caso, o ministro da Justiça reconheceu a “necessidade de apuração de responsabilidade dos envolvidos na violação aos direitos humanos”.
Investigação estadual
As mortes dos nove homens e da mulher que integravam um grupo de sem-terra que ocupavam a fazenda no sudeste do Pará, já vem sendo investigadas pelo Ministério Público Estadual, pela Polícia Civil e pela Corregedoria da Polícia Militar paraense.
Nesta quinta, o corregedor regional da PM, tenente-coronel Edivaldo Santos, começou a ouvir os depoimentos dos policiais militares que participaram da operação. No total, 21 policiais militares e oito policiais civis participaram da ação e foram afastados pela Secretaria Estadual de Segurança Pública e Defesa Social.
Versões
Em seus primeiros depoimentos, os policiais que participaram da ação afirmaram que foram recebidos a tiros ao chegar à propriedade para cumprir os mandados judiciais que, além de buscas e apreensões, incluíam as prisões temporárias de suspeitos de participar do homicídio de um vigilante da fazenda, Marcos Batista Montenegro, morto a tiros no dia 30 de abril.
Os policiais afirmam ter apenas reagido aos disparos. Após a ação, a Polícia Civil e a Secretaria de Segurança Pública e Defesa apresentaram 11 armas apreendidas na área ocupada pelos sem-terra – entre elas um fuzil 762 e uma pistola Glock modelo G25.
Já a versão de testemunhas e de parentes das dez vítimas é bastante diferente. Em depoimentos a promotores e a integrantes da comitiva federal que visitou a região da ocorrência, os policiais chegaram ao local atirando, atingindo pelas costas algumas pessoas que tentavam fugir da confusão.
Para o presidente do CNDH, chama a atenção o fato de nenhum policial ter sido ferido durante a ação. “As pessoas estavam acampadas no meio do mato, em um local de muito difícil acesso. Chovia torrencialmente, o que pode explicar que o grupo [de trabalhadores] não tenha percebido a aproximação da polícia. Mesmo assim, o grupo tinha uma vantagem muito grande em relação aos policiais, pois já estava dentro da mata. Então, a tese de que os policiais foram recebidos a bala cai por terra na medida em que não houve sequer um policial ferido”, disse Frigo em entrevista à Agência Brasil. Ainda segundo Frigo, ao menos um dos sem-terra que sobreviveu à “chacina” foi visivelmente alvejado pelas costas.
Entre os dez mortos, sete pertencem a uma mesma família – entre eles, a presidente da Associação dos Trabalhadores Rurais de Pau D’Arco, Jane Júlia de Oliveira, e seu marido, Antonio Pereira Milhomem.
De acordo com a Comissão Pastoral da Terra, em 2016 foram registrados 61 assassinatos em conflitos no campo, o maior número desde o início do monitoramento da entidade, em 2003. Em 2017, o total de mortes no campo já chega a 36 quando contabilizados os mortos em Pau D´Arco. Em abril, nove trabalhadores rurais foram brutalmente assassinados por um grupo de homens encapuzados em uma chacina em Colniza (MT).
(Com Agência Brasil)