Por lidar com bilionários recursos públicos, interesses de grupos econômicos e importantes programas de alcance social na região mais pobre do país, o Banco do Nordeste deveria, por prudência, manter alguns de seus quadros distantes de certos setores. No ano passado, a instituição investiu 11 bilhões de reais em plantas industriais e emprestou outros 38 bilhões, entre outros, a pequenos comerciantes, vendedores ambulantes e produtores rurais. Controlar ou mesmo apenas influir nesse departamento é um ativo de imenso valor político. Em ano eleitoral, a valia vai às alturas. Por isso, parlamentares e partidos estão se embolando na disputa pela chave desse cofre que tem 37,8 bilhões de reais para serem usados até o final de 2024. O embate envolve diretamente o PT e o PL, os dois maiores partidos do país, e tem protagonistas de peso envolvidos.
O BNB é uma instituição federal, o presidente é indicado pelo governo e as diretorias são nomeadas. Em março do ano passado, Lula escolheu o ex-governador Paulo Câmara (PSB) para comandar o banco. A confirmação dele no cargo só foi possível porque, dias antes da posse, o então ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski (atual ministro da Justiça) suspendeu trechos da Lei das Estatais que restringiam a indicação de políticos para cargos de diretoria em empresas públicas. A decisão escancarou as portas de áreas estratégicas. Desde 2003, para supostamente dar celeridade aos processos, o BNB contrata uma prestadora de serviços para analisar os pedidos de empréstimo. É ela, a rigor, quem define os beneficiários. É lá que está o front. É lá que, desde o governo Bolsonaro, o deputado Júnior Mano (PL-CE) dava as cartas sem ser incomodado.
Em dezembro passado, Paulo Câmara anunciou a substituição do diretor da Camed, a tal empresa privada que analisa os pedidos de crédito. Um apaniguado de Mano ocupava o cargo. Câmara indicou para o lugar dele um técnico ligado ao deputado José Guimarães (PT-CE). O conselho de administração da empresa, no entanto, composto também por dirigentes do banco, não aprovou a mudança. Guimarães acusou o ministro Alexandre Padilha, das Relações Institucionais, seu companheiro de partido, de estar por trás da rejeição. O ministro teria feito um acordo com Júnior Mano: manteria o cargo sob o controle do deputado em troca de apoio político ao governo. Esse seria o trato. Em janeiro, o apaniguado de Mano foi reconduzido ao posto na Camed.
Essa parceria político-comercial, aliás, foi alvo de um “quase” escândalo. Em 2021, Bolsonaro acusou a empresa então encarregada de gerir a carteira de crédito do BNB de ser uma “ONG petista”. Ela havia sido contratada sem licitação e era comandada, segundo o presidente, por um pessoa próxima a José Guimarães (ele de novo!). O contrato foi encerrado e, para o lugar dela, o banco convidou a Camed, comandada por um aliado de Júnior Mano (ele de novo!). O Tribunal de Contas da União (TCU) foi acionado para investigar o caso.
Os técnicos estranharam o fato de o BNB não ter feito uma licitação para escolher a empresa responsável pela gestão das linhas de crédito. Também destacaram o fato de a Camed ter sido fundada poucos meses antes de ser selecionada, além de não ter expertise na área. O banco informou que desconhece o resultado da auditoria. Diante das suspeitas, Paulo Câmara estuda realizar licitação para contratar uma nova operadora. Para Júnior Mano, José Guimarães e demais interessados, essa mudança, se ocorrer, não fará muita diferença. O importante é continuar influindo na escolha de quem fica com a chave do cofre.
Publicado em VEJA de 23 de fevereiro de 2024, edição nº 2881