Secretário Nacional de Justiça relata os desafios da deficiência visual
Cláudio de Castro Panoeiro conta como os livros mudaram a sua vida
Aos doze anos de idade, mesmo usando óculos, ele não conseguia mais ler um livro nem enxergar o quadro na sala de aula. Foi diagnosticado com retinose pigmentar, uma doença autoimune e degenerativa da retina que foi se agravando com o passar do tempo. Aconselhado a estudar numa escola especializada para deficientes visuais, deixou a família na Bahia e se mudou para o Rio de Janeiro, onde se matriculou no Instituto Benjamin Constant, referência de ensino para deficientes visuais. No início, os primeiros passos foram desafiadores. Saía de casa às 4h30 para chegar a tempo da aula, que começava às 7h20. Mas, aos poucos, foi se adaptando, sobretudo quando passou a andar com a ajuda de uma bengala. A sua salvação, conforme costuma contar, foi ter aprendido a ler em braile. “Mudou a minha vida”, conta o advogado da União Cláudio de Castro Panoeiro, atual secretário nacional de Justiça.
No ensino médio, quando foi transferido para o Colégio Pedro II, Panoeiro foi incentivado a ler, em média, seis livros por ano. Mas, dessa vez, não eram publicações em braile. O jovem estudante recorreu à ajuda de uma audioteca chamada Clube da Boa Leitura, formada por voluntários que gravavam uma série de textos de autores brasileiros como Machado de Assis, Aluísio de Azevedo e José de Alencar. Tudo de graça. Cada obra tinha, em média, 30 fitas armazenadas em caixas de sapato. “Me lembro de uma vez que precisava ler Madona de Cedro, de Antonio Callado, mas ele não estava disponível em gravação. Uma funcionária da biblioteca se dispôs a ler para mim, depois do expediente dela. E assim fui contando com a solidariedade de outras pessoas para chegar até a faculdade”, relembra o secretário nacional de Justiça.
Antes de prestar vestibular, os colegas de Panoeiro o aconselharam a optar pela graduação em engenharia. O jovem estudante agradeceu a sugestão fazendo troça: “Vou estudar engenharia e trabalhar com o quê? Quem vai contratar um engenheiro cego?”. Devido à sua afinidade com livros e às oportunidades abrangentes da área, escolheu Direito – e foi aprovado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Foi um dos momentos mais difíceis. No ensino superior, eu não tinha nem prova tampouco livro adaptados para mim. Eu contava com a ajuda de um estudante indicado pela universidade”, conta ele, reforçando que fez questão de escolher um aluno de outro curso para não haver qualquer suspeita de eventual favorecimento.
Após se formar, Panoeiro percebeu que seria inviável disputar uma vaga em um escritório de advocacia, já que o custo da sua adaptação no ambiente de trabalho seria elevado. Decidiu, então, prestar concursos públicos. Foi aprovado para trabalhar no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Alguns anos depois, em 2004, passou na Advocacia-Geral da União (AGU). Para exercer a sua função, contava com a ajuda de um estagiário, de amigos e familiares. “O meu maior desafio era interagir com documentos e processos físicos”, relembra ele. Com o passar do tempo, Panoeiro começou a se destacar na área de reintegração de posse de imóveis. Em 2010, foi convidado para fazer uma sustentação oral no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a primeira realizada por um deficiente visual.
Três anos depois, o advogado da União se mudou para a Espanha, onde fez mestrado e doutorado na Universidade de Salamanca, uma das mais tradicionais da Europa. Foi aprovado, com nota máxima e louvor. Voltou ao Brasil em fevereiro deste ano. Em maio, recebeu um convite do ministro da Justiça, André Mendonça, para assumir a Secretaria Nacional de Justiça, uma área estratégica que coordena diversas políticas públicas, da classificação indicativa de filmes à recuperação de recursos desviados no exterior. Em sua nova função, em que conta com a ajuda de colegas da pasta, Panoeiro está desenvolvendo um projeto para tornar os sites de Justiça mais acessíveis aos deficientes visuais. Ele quer que outras pessoas como ele possam voar ainda mais alto.