Sete ministros descumprem pedido de Lula e fazem menções ao golpe de 1964
No aniversário dos 60 anos da instauração do regime militar no país, membros do governo se manifestaram nas redes sociais
Mesmo depois do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter determinado a seus ministros e a todo o seu governo que não fizessem qualquer ato, solenidade, discurso ou produzissem material em memória aos 60 anos do golpe militar, pelo menos sete ministro descumpriram a orientação. Neste domingo, 31, data que marca o aniversário da instauração do regime ditatorial que se estenderia por 21 anos no Brasil, eles usaram suas redes sociais para fazer postagens de repúdio a este período. A intenção de Lula com a sua determinação, exposta a seus auxiliares desde o início do mês de março, era não criar novos entreveros com os militares e inflamar o ambiente político com esta questão.
O pedido do presidente, como deixam claras as postagens na internet, não convenceu todo o seu staff. Dos 38 ministros, sete deixaram registrado em suas nas redes sociais a indignação com os “Anos de Chumbo”. Na plataforma X (antigo Twitter), o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, encarregado de organizar atos em memória do golpe de 60 que acabaram cancelados, fez uma postagem intitulada “Por que ditadura nunca mais?”. Em seu texto, ele enumera a ambição de um país “social e economicamente desenvolvido”, “soberano, que não se curve a interesses opostos aos do povo brasileiro”, “institucional e culturalmente democrático”, “em que a verdade e a justiça prevaleçam sobre a mentira e a violência”, “livre da tortura e do autoritarismo” e “sem milícias e grupos de extermínio”. Ao final da publicação, citou a frase do deputado Ulysses Guimarães (1916-1992), que presidiu a Assembleia Nacional Constituinte que resultou na Constituição de 1988: “É preciso ter ódio e nojo da ditadura”.
O posicionamento emblemático de Ulysses Guimarães também foi destacado na postagem de Paulo Pimenta, ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social. Junto com a imagem de uma camiseta branca com a frase “ódio e nojo à ditadura”, ele escreveu: “Ditadura Nunca Mais!! A esperança e a coragem derrotaram o ódio, a intolerância e o autoritarismo. Defender a democracia é um desafio que se renova todos os dias”. Já o ministro da Educação, Camilo Santana, ressaltou a importância de que o golpe e os anos que se seguiram não caiam no esquecimento. O ministro escreveu: “Lembramos e repudiamos a ditadura militar, para que ela nunca mais se repita. A mancha deixada por toda dor causada jamais se apagará. Viva a democracia, que tem para nós um valor inestimável”.
Também neste domingo, o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, foi às redes sociais lembrar o aniversário golpe que instaurou o regime militar e a censura no país, no qual citou nominalmente vítimas do período. “Minha homenagem a todos que perderam a vida e a liberdade, em razão da ruptura da democracia no dia 31 de março de 1964, que levou o país a um período de trevas. Minha homenagem a Rubens Paiva (engenheiro), Vladimir Herzog (jornalista) e Manoel Fiel Filho (metalúrgico), que lutaram pela democracia no Brasil”. Todos foram torturados e morreram em decorrência da ditadura.
Apesar do presidente Lula ter estado envolvido diretamente nas negociações para impedir as manifestações de alusão ao golpe que completa sessenta anos, a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, foi outra a usar a plataforma X para deixar seu apoio às vítimas deste regime. “Neste 31 de março de 2024 faço minha homenagem a todas as pessoas presas, torturadas ou que tiveram seus filhos desaparecidos e mortos na ditadura militar. Que o golpe instalado há exatos 60 anos nunca mais volte a acontecer e não seja jamais esquecido”, publicou.
A ex-presidente Dilma Rousseff, reconhecidamente uma das vítimas diretas do regime de exceção instaurado no país a partir de 1964 e que vigorou por duas décadas, também foi lembrada em uma das publicações nas redes sociais. O ministro na Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, fez uma postagem com a famosa fotografia de Dilma, então presa política com 22 anos, durante um interrogatório numa auditoria militar na década de 70. Na sequência do título “Democracia sempre!!!”, Messias destacou: “minha homenagem nesta data é na pessoa de uma mulher que consagrou sua vida à defesa da Democracia, @dilmabr. Que a Luz da Democracia prevaleça, sempre. Essa é a causa que nos move”.
Os ataques aos indígenas após o golpe de 1964 e durante o período em que ele durou também foi mencionado neste dia de hoje. A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, em sua postagem na internet, pediu reflexões sobre um processo de reparação do Estado em relação ao que aconteceu contra este grupo durante a ditadura. E escreveu: “Sabemos que a luta sempre foi uma constante para os povos indígenas, mas há 60 anos o golpe dava início a um dos períodos mais duros do nosso país. A ditadura promoveu um genocídio dos nossos povos e também de nossa cultura. Milhares de indígenas foram assassinados e muitos mitos construídos entre militares para justificar um extermínio – muitos discursos perversos que até hoje são utilizados para tentar refutar nosso direito constitucional ao território”.
A data ainda foi lembrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O presidente da casa, ministro Luís Roberto Barroso, sem citar explicitamente a ditadura, fez uma analogia usando a Páscoa, comemorada neste domingo, à democracia. “31 de março de 2024: um dia para celebrar a Páscoa, a ressurreição, os bons sentimentos de renovação e esperança, e também para lembrar do que nunca podemos esquecer: de como a democracia é valiosa e a nossa liberdade, nossos direitos e garantias fundamentais são a essência de uma vida verdadeiramente digna nesse país. Feliz Páscoa, democracia sempre!”.