Teatro Amazonas: como Manaus fincou espaço no circuito cultural
Sede do Festival Amazonas de Ópera encontrou lugar definitivo no mapa de espetáculos internacionais. Conheça a história desse símbolo do Ciclo da Borracha
Há 120 anos, quem imaginaria que a majestosa casa de ópera construída entre quintais cobertos por capim e barro na longínqua Manáos, como a cidade de Manaus ainda era chamada, se tornaria um dos maiores expoentes culturais do país? Com sua famosa cúpula nas cores da bandeira do Brasil, o Teatro Amazonas guiou o desenvolvimento dessa capital ao longo do século 20, foi elevado a Patrimônio Histórico Nacional e passou a figurar como um dos principais cartões-postais da Região Norte por ser o que sempre foi: uma grande ode à arte.
Entre todos os gêneros artísticos que o Teatro Amazonas homenageia, a ópera é o principal. Não apenas pelo fato de que o primeiro espetáculo apresentado no local, o avant-première de La Gioconda em 1897, tenha sido uma encenação operística. Mas também porque foi por meio dessa arte que o Teatro se consolidou mundialmente, muito devido à força do Festival Amazonas de Ópera (FAO), cuja 20ª edição segue até o dia 4 de junho. Produzida pela Secretaria de Estado de Cultura, a edição deste ano é a primeira realizada inteiramente com recursos da iniciativa privada, com patrocínio master do Bradesco Prime, após o governo do Amazonas brecar, ainda em 2016, verba para mais de 20 eventos culturais realizados pelo estado. A programação no Teatro Amazonas engloba, ao todo, quatro concertos e duas óperas, apresentadas em 16 sessões. Um dos destaques da programação é a montagem da ópera Tannhäuser, de Richard Wagner, encenada nos dias 14, 17 e 20 de maio. Ingressos aqui.
Teatro ditou crescimento
Se hoje artistas fazem de tudo para estar no palco do Teatro Amazonas, o caminho até a inauguração do local não foi fácil nem rápido. O plano de tirar o projeto do papel surgiu em 1881, mas os trabalhos só tiveram início três anos depois. As atividades tinham ritmo lento e ainda ficaram paralisadas entre 1886 e 1893, levando o então governador Eduardo Ribeiro a assumir a responsabilidade sobre o Teatro. O jovem político de origem maranhense, mulato e sem fortuna tinha ideias ambiciosas e utilizou a obra como ponto-chave de seu plano de expansão urbana.
É preciso entender o contexto que se vivia. Apesar de Manaus ter sido uma das primeiras cidades brasileiras a contar com energia elétrica, a província do Amazonas sobreviveu em situação de isolamento até o fim do período monárquico, em 1889, e tinha dificuldades em atrair investidores. Com a autonomia administrativa provida pela Proclamação da República, os excedentes econômicos passaram a gerar investimentos públicos e privados, geralmente traduzidos em obras de melhorias na capital. O governo as usaria como propaganda, na tentativa de arrecadar cada vez mais fundos, na maioria de estrangeiros.
Após diversas alterações desde o projeto original, o Teatro foi finalmente inaugurado, no dia 31 de dezembro de 1896 – ainda inacabado internamente –, quando Eduardo Ribeiro já havia deixado o cargo de governador. No livro Manaus – História e Arquitetura, Otoni Mesquita explica que a casa guiou o padrão arquitetônico de Manaus no início do século 20, servindo como protótipo da cidade que se queria. Em cerca de uma década, o povoado bucólico virou uma capital exótica e cosmopolita, numa onda de crescimento comercial e efervescência cultural que tomou conta da região.
Luxo de primeiro mundo
Nenhum entrave era capaz de ofuscar a imponência do Teatro Amazonas. Com arquitetos, pintores e escultores da Europa, a mão de obra era praticamente toda importada, assim como os materiais – com exceção apenas da madeira. Os números da construção impressionam até hoje: são 198 lustres de cristais venezianos, sem contar com o principal da sala de espetáculos, de bronze inglês; aço escocês para as 22 colunas; e 36.000 peças de cerâmica esmaltada e telhas vitrificadas importadas da região francesa de Alsácia para a cúpula. Já o Salão Nobre conta com cerca de 12.000 pedaços de madeira nobre, até hoje apenas encaixados, dispensando o uso de cola ou pregos.
A exemplo de Eduardo Ribeiro, outro nordestino fincaria seu nome na história também pelo trabalho realizado no Teatro Amazonas: o artista pernambucano Crispim do Amaral ficou responsável pela decoração interna – menos do Salão Nobre, que foi entregue ao italiano Domenico de Angelis. No teto da sala de espetáculos é onde está uma das peças mais emblemáticas do local. Mesmo sem sua assinatura, uma pintura de Amaral representa quatro alegorias que remetem à tragédia, ópera, dança e música.
Os mistérios da construção
Em seus 120 anos, o cartão-postal se submeteu a diversas restaurações, que guardam curiosidades. A primeira grande reforma ocorreu em 1929, no auge da crise da borracha, quando, em questão de poucos anos, Manaus deixou de controlar 98% do mercado mundial de extração de látex e passou a responder por menos de 5% desse setor. Mas foi na reforma seguinte, entre 1972 e 1974, que surgiu um dos muitos mistérios que envolvem a construção: qual a cor original do prédio?
Seguindo suposições de pesquisadores e historiadores, o cinza-azulado foi tido como original e a pintura da parte externa, então rosa, foi substituída pelo tom. Mesmo que parte da população manauara não concordasse com o rosa do Teatro na época, por achá-lo “cafona”, a sobreposição causou rebuliço na cidade. Na restauração seguinte, em 1989, a insatisfação pública venceu e, graças a outras evidências históricas, como documentos antigos, o tom rosa imperial segue até hoje.
Mas nem todos os mistérios estão resolvidos. Prova disso é que, em 2012, durante o restauro da pintura externa, alguns mosaicos feitos com folhas de ouro foram descobertos sob nomes na fachada do edifício, encobertos pelas reformas anteriores. E as palavras pintadas ao redor do prédio, sempre brancas, se revelaram azuis. Os recém-descobertos mosaicos dourados permanecem expostos.
Legado cultural
Nos anos 1980, o Teatro Amazonas ganhou status de elefante branco, pois não recebia atividades constantes nem servia como atrativo para a população. Segundo Otoni Mesquita, apenas no fim da década de 1990, com a primeira edição do Festival de Ópera e a posterior implantação de outros festivais, como o de Cinema e Jazz, é que houve uma formação de público, que se mantém fiel até então, tornando o espaço mais utilizado atualmente do que em qualquer outra época. Hoje, o Teatro abriga a Amazonas Filarmônica, que também ajudou a consolidar o Programa de Música Erudita e Artes do Amazonas.
Desde a apresentação de La Gioconda pela famosa Companhia Lírica Italiana em 7 de janeiro de 1897, muitos artistas de diversos gêneros contribuíram para a história do Teatro – como o tenor espanhol José Carreras, a banda americana de rock The White Stripes, as britânicas do grupo Spice Girls, o ex-integrante da banda Pink Floyd Roger Waters, a cantora Bibi Ferreira e a atriz Fernanda Montenegro, para citar alguns. O local também serviu como inspiração para obras, como em 1982, quando foi cenário para o longa-metragem Fitzcarraldo, de Werner Herzog, ou como pano de fundo no romance policial português Longe de Manaus. Seja em que época for, a beleza, grandiosidade e importância do Teatro Amazonas prometem durar e impressionar por mais alguns séculos.