Esqueça os pontos turísticos lotados, as filas para comer em restaurantes da moda ou a sufocante burocracia na chegada ao hotel. Um número crescente de pessoas tem trocado os destinos tradicionais para tomar banho de rio em recônditos mundo afora e acompanhar com olhos bem atentos a rotina e os ritos dos chamados povos originários. Engrossam assim as fileiras do etnoturismo, um modelo de viagem que os adeptos chamam de “intercâmbio cultural” e que tem como premissa promover a proteção dos ecossistemas e a geração de renda para as comunidades, sem que os costumes locais sejam deturpados.
O movimento é global. Segundo estudo realizado pela consultoria Future Market Insights, o mercado de turismo sustentável — no qual o etnoturismo se enquadra — responde por 2% da indústria de viagens. Em uma década, a participação mais do que dobrará, chegando a 5%. Parece pouco, mas, diante dos esperados solavancos da economia mundial, está longe de ser um número desprezível. Na América Latina, Colômbia, México, Panamá e Peru oferecem pacotes de turismo étnico. Na África, o povo massai, do Quênia, é conhecido pelos rituais que atraem europeus e americanos. Na Austrália e na Nova Zelândia, há itinerários focados na aproximação com os povos aborígines e maoris.
No Brasil, esse tipo de oferta vem se popularizando. Tanto assim que a Fundação Nacional do Índio (Funai) passou a promover cursos de capacitação para que mais aldeias adotem as visitas como fonte de renda. Um dos bem-sucedidos projetos está sediado na comunidade Nova Esperança, localizada dentro da reserva Puranga da Conquista, em Manaus. Atualmente, quase 100% da economia da população indígena baré gira em torno do etnoturismo. “As pessoas conseguem ver como é nossa alimentação e a nossa arte”, afirma Joarlinson Baré, um dos líderes locais e organizador das visitas guiadas. “É um turismo de contato direto com a natureza.” Os interessados podem reservar os pacotes diretamente no site de ONGs ou por intermédio de agências especializadas.
A maior procura por experiências desse tipo caminha em sintonia com a nova era sustentável, de valorização do meio ambiente e da diversidade de culturas. Na Pataxó Turismo, a busca por viagens étnicas intensificou-se tanto que a empresa decidiu criar programas para todos os bolsos e perfis. Sua especialidade são visitas à Comunidade Indígena Reserva da Jaqueira, a 10 quilômetros do centro de Porto Seguro, na Bahia. Os pacotes vão de passeios com duração de três horas, ao preço de 100 reais, a casamentos de acordo com a tradição do povo pataxó, com cifras que oscilam conforme o número de convidados. “A cerimônia conta com o tradicional carregamento de tronco, em que o noivo ergue um pedaço de árvore com o peso de sua futura esposa, demonstrando ser hábil e capaz de carregá-la e protegê-la em situações de perigo”, conta Luisa Pataxó, diretora-executiva da agência.
Apesar de promissor, o setor enfrenta desafios. O principal é respeitar tradições locais sem enveredar para a apropriação cultural ou a construção de estereótipos. Há ainda o temor de prejudicar o trabalho de preservação realizado por indígenas. Por isso, é vital pesquisar com antecedência a credibilidade das empresas envolvidas nesse tipo de prática e prestar atenção à maneira como os povos locais são apresentados, sem o viés do exotismo, o que desvirtua a ideia original. Ela fica bem longe das desastradas experiências no Rio de Janeiro com o turismo nas favelas, em que a pobreza vira e mexe é retratada como mercadoria. Se bem-feito, porém, o etnoturismo desencadeia ciclos virtuosos. “Ele pode ser um forte aliado para eliminar estigmas e sensibilizar as pessoas”, reforça a especialista Ana Rosa Proença. Conhecer povos e suas aldeias é de grande riqueza, mas respeitar suas culturas é melhor ainda.
Publicado em VEJA de 14 de dezembro de 2022, edição nº 2819