“Todos me tratam bem”
João de Deus concede primeira entrevista depois da prisão, em 16 de dezembro
Preso preventivamente desde 16 de dezembro, João de Deus é acusado de abusar sexualmente de mulheres que buscavam tratamento espiritual na Casa Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia (GO). Na quinta-feira 28, ele respondeu, por escrito, a perguntas encaminhadas por VEJA, por intermédio de seu advogado Alberto Toron. É a primeira entrevista do médium depois de sua prisão. A seguir, os principais trechos.
Como tem sido sua vida na prisão? Muito dura. Estou com 77 anos e tenho dificuldade para andar. Só caminho amparado numa bengala e com a ajuda de outro preso. Tenho vergonha de dizer, mas até para sentar na privada eu tenho dificuldade. Não há onde me segurar, tenho medo de cair. Todo mundo aqui me trata bem, dos presos aos guardas, e sou agradecido a todos. Minha comida é igual à de todos, arroz, feijão, macarrão e uma mistura. Tudo vem numa espécie de quentinha e a gente come na cela.
Acusados de abuso sexual costumam ser ameaçados nos presídios. Digo o que disse na polícia e perante o Ministério Público: não pratiquei nenhum abuso contra ninguém. Da primeira vez que fui ouvido nem me mostraram fotos das mulheres que se queixaram. Eu atendia uma média de 1 000 a 2 000 pessoas por dia. É impossível lembrar. O certo é que não abusei de ninguém. Alguns fatos são antigos e nem sequer pude, pelos nomes, me lembrar das mulheres. Sinto-me injustiçado.
O Ministério Público anexou ao processo acusações de dezenove mulheres que dizem ter sofrido abuso sexual entre 1975 e 2018, incluindo uma série de casos já prescritos. Eu tenho dificuldade de entender como pessoas se dispõem a falar de coisas ocorridas há quarenta anos. Mais do que isso, acho inacreditável que uma pessoa que se sinta violentada volte outras vezes para ser atendida. Não faz sentido.
Uma filha do senhor diz ter sofrido abusos quando tinha 11 anos. Digo que é um absurdo! Tanto é assim que nem o Ministério Público acreditou nela, não estou sendo acusado por nenhuma prática contra ela. Ela tem um histórico de internações e, no passado, antes dessa onda de acusações, já se desculpou pelo que disse. Agora voltou a falar, mas não merece fé.
O senhor soube da notícia do suicídio da ativista Sabrina Bittencourt, que ajudou mulheres que o acusam de violência sexual? Muita gente diz que essa história de suicídio é uma invenção. Eu estou preso e não sei dizer. A Justiça tem de apurar.
O senhor manteve relação sexual com mulheres após os atendimentos em Abadiânia? Nunca tive relação com mulheres durante o atendimento, nem depois.
O senhor atendeu autoridades do mundo inteiro. Tem recebido visitas ou manifestações de solidariedade? Meus filhos e alguns amigos têm vindo me visitar, mais ninguém. Minha mulher sofre muito, mas não vem aqui com medo de ser alvo de algum ataque. Sofro, mas entendo. Onde estou não existem presos de facção ou do crime organizado. Eles ficam trancados do outro lado.
Como está sua saúde? Perdi 17 quilos desde que entrei na cadeia, minhas mãos tremem e tenho tido falta de ar quando caminho. Às vezes sofro de tontura e diarreias. Tenho doenças crônicas, como hipertensão arterial. Durmo muito mal e minha saúde está fraca. Há uns anos, tirei 60% do meu estômago por causa de um câncer agressivo e lá atrás coloquei seis stents no coração. Rezo muito.
Por que o senhor guardava armas em casa? Eu esclareci tudo isso quando fui ouvido pelo MP aqui na cadeia. Uma pessoa queria matar o amante da mulher e a própria. Eu fiz o homem me entregar a arma. Outra vez uma pessoa queria se matar, eu também a fiz me entregar a arma. Guardava e as esquecia. Não uso arma, e ninguém que se disse abusada falou no emprego de arma.
O senhor é dono de uma fortuna calculada em 100 milhões de reais. Como ganhou tanto dinheiro? Trabalho desde criança. Não sei a data certa, mas quando era moço fui para Serra Pelada e no garimpo juntei mais de 4 quilos de ouro. Depois comprei uma fazenda e mais para a frente outra, e fui criando vacas e bois. Sou uma pessoa simples e muito econômica. Não sou dado a luxos nem a cachaça. Também não cobro pelas sessões mediúnicas. Gosto de ajudar as pessoas.
O senhor recebeu críticas pesadas de entidades que representam os espíritas. Não sou espírita, sou médium. Acredito em radiação e energia. As entidades me olham muito. Se não me protegessem, eu já teria morrido.
Pretende voltar a atender em Abadiânia? Na Casa Dom Inácio já passaram mais de 10 milhões de pessoas. Ajudei muita gente e lamento não poder continuar a ajudar. Confio na Justiça.
Publicado em VEJA de 13 de março de 2019, edição nº 2625
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