Hoje furacão de vendas no mundo da música gospel, a deputada federal Flordelis dos Santos Souza (PSD-RJ), 58 anos, deixou de ser mais uma aspirante à fama, no início da década de 90, graças a um fato sem nenhum elo com sua performance artística: seus 55 filhos, 51 deles adotados. Os três primeiros, biológicos, ela teve com o primeiro marido, de quem se separou. A prole foi se multiplicando depois que Flordelis se casou, em 1994, com Anderson do Carmo de Souza, que conheceu na igreja e que viraria, além de pastor, seu produtor e assessor para tudo. Na madrugada do domingo 16, o casal acabara de chegar em casa, em Niterói, cidade vizinha ao Rio de Janeiro, quando ele desceu à garagem e foi alvejado por três homens encapuzados. Dois deles, segundo a Polícia Civil, são filhos do casal: Flávio Rodrigues de Souza, 38 anos, e Lucas dos Santos, 18. Ambos tiveram prisão temporária de trinta dias decretada pela Justiça do Rio na quinta-feira 20.
O enredo do crime é de alta tensão e dramaticidade. Desde o começo da semana, a Delegacia de Homicídios de Niterói desconfiava dos dois irmãos. Tratados como suspeitos, eles acabaram sendo presos por delitos anteriores já na segunda-feira 17, logo depois do enterro do pai. O primeiro a ser pego foi Flávio, do primeiro casamento de Flordelis. Contra ele havia um velho mandado de prisão por ter agredido a mulher. A polícia viria a encontrar a arma da qual saíram os disparos em seu quarto. Lucas, um dos adotados, foi à delegacia para depor, mas acabou encarcerado em razão de um caso que o envolvia em tráfico de drogas. Três dias depois, Flávio confessou ter planejado o assassinato, cooptado o irmão mais novo, com quem afirmou ter comprado a arma, e, por fim, ter atirado seis vezes contra Anderson, 42 anos. Vizinhos ouviram gritos e pedidos de socorro. A ação, porém, foi muito rápida. Levado ao hospital, a quinze minutos dali, o pastor morreu no caminho. Não resistiu às trinta perfurações no corpo registradas pelo Instituto Médico-Legal. As câmeras concentradas no local do crime flagraram toda a cena.
Os investigadores trilham a linha de que o assassinato de Anderson teria sido motivado por desavenças familiares. Uma hipótese é de ordem financeira: o pai não estaria repassando a cada um dos filhos o dinheiro que eles acreditavam lhes ser de direito. Pessoas mais próximas confirmam que Anderson controlava com mão de ferro o patrimônio do clã. Outro motivo aventado para o brutal assassinato seria um caso extraconjugal mantido pelo pastor. A suspeita ganhou força com a constatação do IML de que nove das trinta perfurações foram na região da virilha e das coxas — o que, para a polícia, pode ser um sinal de castigo dos filhos à suposta traição. Trinta deles — alguns casados e eles próprios pais — vivem na propriedade de Flordelis, onde várias construções se espalham por dois terrenos. É ali que moravam Flávio e Lucas. Todos se fecharam em silêncio, um pedido da mãe. A VEJA, cinco dos irmãos repetiram que ela está abaladíssima.
A adoção das crianças foi cercada de polêmica. A primeira da prole veio em 1994, quando uma mulher bateu à porta de Flordelis e Anderson dizendo-se sem condições de criar a filha, e o casal a acolheu. Depois, houve uma chacina na região central da cidade e essa mesma mulher conduziu 37 sobreviventes à casa dos dois. Eles espremeram as crianças em um cubículo e as sustentavam à base de doações. O caso virou notícia na TV, e aí começou a dor de cabeça de Flordelis. Obrigada pela Justiça a devolvê-las, ela fugiu com todas. Foi encontrada. Fugiu de novo. Até que conseguiu regularizar a situação sob a condição de ter uma casa com seis quartos e três banheiros. Um empresário que se solidarizou com a causa banca o esquema. “Ela ainda queria adotar mais, mas Anderson não”, conta uma amiga.
Nascida e criada na favela do Jacarezinho, na Zona Norte carioca, aos 14 anos Flordelis (batizada assim em homenagem às flores que adornavam o Templo de Salomão, segundo a Bíblia) perdeu o pai e um irmão, mortos em um acidente de carro. Na casa onde ficou com a mãe, fundou uma pequena igreja, e lá passou a pregar a traficantes e jovens viciados em drogas. Era a origem do Ministério Flordelis, de denominação evangélica pentecostal, que ela inaugurou com Anderson e que hoje se esparrama por seis endereços na região metropolitana fluminense. Nos templos, ela se converteu em uma grife — tudo, de adesivos a camisetas, leva o símbolo de uma flor-de-lis. Do púlpito, saltou para a carreira de cantora. Lançou nove CDs e teve a biografia contada em filme estrelado por Cauã Reymond, Deborah Secco e ela própria.
O primeiro passo de Flordelis na política se deu em 2004, quando ela concorreu a uma vaga de vereadora. Foi um retumbante fracasso. Já em 2018, com sua igreja despontando e a carreira de cantora engrenada, conquistou uma vaga de deputada federal, sendo a quinta mais bem votada no estado. Achava que com sua agenda conservadora conseguiria a presidência da frente parlamentar evangélica em Brasília, mas perdeu. Anderson estava sempre por trás das costuras. Acabou se tornando articulador político de Flordelis, no PSD do Rio. A VEJA, a deputada, que passara a semana refutando a possibilidade de os filhos serem autores do crime, afirmou: “Quero que seja feita justiça pela morte do meu marido”.
Publicado em VEJA de 26 de junho de 2019, edição nº 2640
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