Jair Bolsonaro é um fenômeno eleitoral que conheceu os dois lados da moeda. Em 2018, o então deputado do baixo clero, filiado a uma legenda nanica, venceu a corrida presidencial e fulminou a premissa, vigente à época, segundo a qual só candidatos com amplas coligações partidárias, fartura de recursos e bastante tempo na propaganda eleitoral de televisão tinham condições de conquistar o Palácio do Planalto. Em 2022, Bolsonaro fez história novamente, mas de forma negativa. Ao perder o segundo turno para Lula, por um placar apertado de 50,9% a 49,1% em votos válidos, tornou-se o primeiro presidente desde a redemocratização a não conseguir a reeleição. O resultado foi consequência direta da rejeição ao capitão e a seu governo. Desde o início do mandato, ele apostou na tensão permanente e na tentativa de intimidação das instituições, sobretudo os tribunais superiores, desviando energia que deveria ser empregada no enfrentamento dos problemas reais do país. Ele também minimizou os efeitos da pandemia de Covid-19, sabotou recomendações sanitárias e jamais fez qualquer gesto de solidariedade às famílias de mais de 690 000 mortos pela doença.
Com a imagem desgastada, Bolsonaro abandonou a cartilha liberal e recorreu à gastança, a fim de recuperar fôlego entre os eleitores. Diante do risco de derrota na eleição, ele ainda dobrou a aposta no radicalismo, tentou conturbar o processo eleitoral e alimentou discursos golpistas. De nada adiantou. Derrotado nas urnas, praticamente abandonou o trabalho, entregou-se à tristeza e — apesar de criticar o mimimi e a choradeira no auge da crise sanitária — apareceu algumas vezes em público com lágrimas nos olhos. O presidente em fim de mandato jamais reconheceu o resultado da votação e se considera vítima de uma armação do establishment para tirá-lo do poder. Negacionista multidisciplinar e sensível a teorias da conspiração, Bolsonaro foi vítima de si mesmo, de suas guerras imaginárias, de seus desatinos e de suas decisões erradas. Sua frustração pessoal não é nada perto do legado de seu mandato: um país dividido, conflagrado e desmantelado em áreas essenciais, como saúde, educação e meio ambiente.
Publicado em VEJA de 28 de dezembro de 2022, edição nº 2821