A partir de 1969 e ao longo de quase três anos, a Nasa enviou seis missões tripuladas à Lua, colocando um total de doze astronautas em sua superfície, além de três jipes e outros aparelhos que lá foram deixados. Em troca, eles trouxeram de volta quase 382 quilos de pedras e sedimentos, que ajudaram cientistas a entender a composição do satélite natural da Terra, porém não a ponto de chegar a uma conclusão sobre sua origem. Então, em dezembro de 1972, às vésperas do Natal e sem muito alarde, a agência espacial americana decretou o fim do programa Apollo e nunca mais pôs os pés naquela magnífica desolação, que continuou a receber visitas regulares, inclusive de outros países, mas só por meio de sondas e robôs. No fim deste ano, entretanto, a exploração espacial ganhará impulso estratosférico com o lançamento da primeira etapa do programa Artemis, cuja a audaciosa meta é retornar à Lua em 2024, dessa vez para ficar.
Se a principal motivação americana nos anos 1960 era mostrar superioridade sobre a União Soviética, a crescente influência da China tem seu papel no atual projeto — o escopo foi pensado para atender às exigências de um novo ambiente no qual a iniciativa privada e parceiros internacionais querem estar inseridos. A começar pelo nome feminino, emprestado da deusa da Lua na mitologia grega e irmã gêmea de Apolo, Artemis é o primeiro programa espacial a expressar categoricamente que os dois próximos astronautas a pisar na superfície lunar serão uma mulher e uma pessoa negra. Além das escolhas iniciais coerentes com o que prega, a Nasa desenrolou um plano que permite a adesão de outros países, contanto que os interessados assinem o acordo homônimo: um conjunto de compromissos de uso pacífico do espaço e gestão sustentável de recursos. No último dia 15, o Brasil se tornou a 12ª nação a assinar o tratado e, quem sabe um dia, talvez consiga contribuir e colher frutos de um investimento consistente.
Quanto ao aspecto prático, a fim de cumprir a meta de voltar à Lua e estabelecer base permanente, a Nasa e seus parceiros precisam seguir um rigoroso cronograma que demanda que ao menos quatro equipamentos estejam operacionais em três fases distintas. Na primeira etapa, o Space Launch System (SLS), um superfoguete de 100 metros de altura, deve lançar a cápsula Orion em uma viagem de ida e volta de 900 000 quilômetros, ultrapassando a Lua, fazendo o retorno e voltando à Terra em segurança. O SLS está sendo montado no hangar do Centro Espacial Kennedy, na Flórida, para lançamento em novembro. Buscando se aproximar do público, a Nasa promoveu uma votação em seu site para batizar o manequim que viajará na Orion, antes que quatro tripulantes de carne e osso embarquem na cápsula para repetir o percurso em 2023, na segunda etapa do programa.
Paralelamente, estão em construção dois outros fundamentais mecanismos para a terceira e derradeira etapa. Uma vez que a Orion é feita para transportar astronautas, mas não para descer na Lua, ela terá de atracar no Human Landing System (HLS), o módulo de pouso. A empresa SpaceX ganhou a licitação para fabricar o HLS e terá também a incumbência de levá-lo, em seu próprio foguete, até a órbita lunar, onde ele encontrará a cápsula, recebendo dois dos quatro astronautas que irão à superfície. O outro dispositivo, que não é essencial para a primeira missão, mas será para a longa permanência de equipes multinacionais, é o Gateway, uma estação modular que poderá receber a Orion, o HLS e naves de outros países.
Afora a busca de supremacia geopolítica, que é de interesse de superpotências, mas não da humanidade, a exploração da Lua tem sua importância intrínseca na extração de minérios e bolsões de água congelada em suas camadas profundas, além da instalação de laboratórios em baixa gravidade e construção de portos para naves que irão a Marte e além. Parece descrição de ficção científica, mas assim também eram os romances de Júlio Verne — até o dia em que o homem conseguiu mesmo viajar da Terra à Lua.
Publicado em VEJA de 30 de junho de 2021, edição nº 2744