Em 1880, o naturalista britânico Charles Darwin foi o primeiro a escrever que as extremidades das raízes vegetais “agem como o cérebro de animais inferiores”. Desde então, cientistas descobriram que as plantas atuam também como se tivessem linguagem, memória, visão, audição, defesas e cognição. Percebem-se como indivíduos e são capazes de fazer escolhas. Em outras palavras, elas têm o que Darwin previa no último parágrafo de seu livro O Poder do Movimento nas Plantas: inteligência.
As evidências para isso vêm de diversos países ao redor do globo, em instituições de pesquisa como a Universidade da Califórnia e a Universidade de Washington, nos Estados Unidos, o Instituto Max Planck e a Universidade de Bonn, na Alemanha, a Universidade de Lausanne, na Suíça, além de institutos de pesquisa no México, França, Itália e Japão.
Nos últimos meses, diversos estudos, publicados em revistas científicas como Nature, Science ou Plos One têm demonstrando o funcionamento dessas até então desconhecidas habilidades vegetais. E provado que as plantas estão longe de ser criaturas passivas, como se acreditava. Um dos estudos mais recentes, divulgado no fim do ano passado na revista Ecology Letters, mostrou como as plantas se comunicam por meio de compostos voláteis. Viajando pelo ar, eles avisam outras árvores sobre a presença de herbívoros potencialmente perigosos – as folhas recebem a mensagem e tornam-se mais resistentes às pragas.
“As plantas são capazes de comportamentos muitíssimo mais sofisticados do que imaginávamos”, afirma o biólogo Rick Karban, da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, e principal autor do estudo sobre comunicação vegetal. “Elas passaram por uma seleção em que tiveram de lidar com os mesmos desafios que os animais e desenvolveram soluções que, às vezes, guardam semelhanças com as deles.” É o avanço dos estudos em biologia e fisiologia vegetal, aliado a tecnologias mais potentes para conduzir experimentos e recolher dados, que está fazendo com que os cientistas percebam que árvores e arbustos são criaturas sensíveis, que dividem o mesmo espaço com os animais na escala evolutiva.
História
Neurobiologia vegetal
O hesitação de cientistas em usar metáforas animais para falar plantas está ligda ao sucesso do livro A vida secreta das plantas, lançado originalmente em 1973, nos Estados Unidos. Nele, os autores Peter Tompkins e Christopher Bird afirmam que as plantas interagem com os homens, reagem a seus pensamentos e ações e têm memória de eventos traumáticos. O best-seller esotérico influenciou gerações – contribuiu para que até hoje pessoas conversem com suas plantas ou abracem árvores.
Para quem vive nos laboratórios, o livro foi uma tragédia. “A maior parte do que está ali não é ciência”, diz Elizabeth Van Volkenburg, bióloga da Universidade de Washington, nos Estados Unidos. Em 2006, ela percebeu como a obra lançava um estigma sobre áreas inteiras de pesquisa. Elizabeth assinoum com cinco colegas, um manifesto propondo uma área de estudos chamada “neurobiologia vegetal”. “Tínhamos o propósito de chamar a atenção para os processos vegetais similares aos estudados por neurocientistas”, diz a pesquisadora.
A resposta foi um artigo violento em que cientistas consideraram a palavra “neurobiologia” um acinte. Mesmo assim, Elizabeth abriu um departamento em seu laboratório para estudar o tema e fundou a Sociedade de Neurobiologia Vegetal, rebatizada de Sociedade de Comportamento e Sinalização Vegetal, pouco tempo depois.
A língua das plantas – Quem está mostrando as evidências mais contundentes de uma cara característica animal – a linguagem – nos vegetais são pequenas artemísias. Há mais de uma década, Karban cuida do cultivo de quase cem delas em um campo aberto na Califórnia. Regularmente, suas folhas ganham pequenos cortes que imitam dentadas de insetos para que emitam os compostos orgânicos voláteis, conhecidos pela sigla VOC. O objetivo é entender o papel desses elementos perfumados na natureza, que parecem enviar mensagens muito precisas de uma planta para outra.
Com seu campo californiano, Karban não só provou que esses compostos existem, como percebeu que eles viajam a até 60 centímetros de distância e são percebidos por outros ramos da planta, por pés vizinhos da mesma espécie e, por vezes, por outras espécies que estão ao lado. “As plantas coordenam suas defesas e as de seus parentes”, afirma Karban, que estuda o tema há mais de trinta anos. “Esse e outros trabalhos indicam que a comunicação entre os vegetais é um fenômeno real que ocorre na natureza.”
Pelas contas do pesquisador, outros 48 estudos de comunicação vegetal confirmam que as plantas detectam esses sinais aéreos. E dominam mais de uma língua: algumas conseguem também enviar mensagens para predadores de herbívoros que, atraídos pelos compostos emitidos, evitam que as folhas sejam comidas. “Plantas reconhecem os herbívoros que as atacam, às vezes até antes que eles cheguem”, diz o pesquisador. “Descobrir essa linguagem das plantas, além de ser muito interessante, pode nos mostrar como manipular a defesa de safras inteiras.”
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Sinapses vegetais – Afora as mensagens voláteis, as plantas emitem sinais elétricos – semelhantes a sinapses dos neurônios – para enviar informações entre uma célula e outra. Edward Farmer, o biólogo pioneiro em pesquisas sobre comunicação vegetal da Universidade de Lausanne, na Suíça, descobriu, há alguns meses, uma maneira até então inédita de transmissão de sinais elétricos vegetais, com pulsos que seguem por longas distâncias entre as membranas da planta. É como um rudimento das sinapses animais.
“Esses sinais elétricos que viajam através dos tecidos resultam em diversas respostas, afetando a expressão dos genes ou ativando processos bioquímicos. Mostramos que alguns deles são importantes para comunicar ferimentos sofridos pelo vegetal”, afirma Farmer. É mais ou menos o mesmo princípio que nos faz perceber estímulos e responder a eles, mas em sua versão vegetal.
O bioquímico, no entanto, é cuidadoso ao relacionar plantas a outros seres vivos. Para ele, as capacidades dos vegetais devem ser conhecidas e estudadas por suas características próprias. “Não devemos antropomorfizar as plantas. E é importante notar que as plantas têm um sistema nervoso diferente dos animais”, afirma o pesquisador.
Defesa vegetativa – Plantas, afinal, têm maneiras especiais de enfrentar desafios. Martin Heil, biólogo do Centro de Investigação e Estudos Avançados do Instituto Politécnico Nacional do México, costuma dizer que o principal valor dos vegetais é sua maneira inusitada de lidar com os problemas. “É preciso evitar a impressão de que os vegetais seriam mais valiosos se fossem mais similares a nós”, diz o pesquisador. “É fascinante ver o quanto as plantas são muito mais ativas do que pensávamos e desenvolveram milhões de estratégias que as ajudam a sobreviver a condições ambientais complexas e incertas.”
Heil começou a estudar há quase vinte anos, na Alemanha, os mecanismos extremamente sofisticados que folhas e ramos desenvolveram para driblar sua falta de mobilidade e escapar de predadores. Nos últimos meses, descobriu como funciona a clássica associação entre plantas e as formigas que as defendem de pragas e animais herbívoros como vacas e cavalos. “Os vegetais manipulam os insetos e os deixam sem outra alternativa para buscar alimento”, diz o pesquisador. Isso acontece por meio de elementos químicos secretados pela planta que “viciam” as formigas e fazem delas uma verdadeira tropa de defesa.
Nos próximos meses, o pesquisador entrará em um time de especialistas em imunologia para descobrir como folhas e ramos respondem a agressões externas. “Nesse contexto, plantas e humanos são realmente semelhantes. Nós usamos exatamente os mesmos mecanismos de percepção de ferimentos e agressões”, diz.
Nova etapa – Em conjunto, todos esses estudos estão provocando uma verdadeira revolução na compreensão das plantas. Desde a Antiguidade, quando o filósofo grego Aristóteles (século IV a. C.) classificou as plantas como seres entre os vivos e os não-vivos – daí o sentido da palavra “vegetativo” – elas amargam a penúltima posição na evolução. Estão entre os minerais e os animais, classificadas como criaturas passivas, que apenas sofrem os golpes do meio ambiente.
Relegadas a esse lugar, o interesse sobre seu funcionamento chegou tardiamente. Foi só nos anos 1960 que todas as etapas da fotossíntese, com suas fases clara e escura, foram desvendadas pelos cientistas. “De certa forma, ainda estamos na Antiguidade, acreditando que as plantas são insensíveis. Já sabemos que, de um mesmo ancestral comum, evoluíram plantas e animais”, diz o biólogo Marcos Buckeridge, professor de fisiologia vegetal do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP). “É preciso dar a elas um lugar ao lado dos animais.”
Buckeridge trabalhou por vinte anos no Instituto de Botânica de São Paulo e, pesquisando plantas como o jatobá e o pau-brasil, percebeu que elas têm sistemas inteligentes para se adaptar ao meio ambiente e escolher as melhores opções para sua sobrevivência. “Se inteligência é a capacidade de se reconhecer como indivíduo e de tomar as melhores decisões, de acordo as experiências vividas e condições ambientais, então as plantas são inteligentes”, afirma o pesquisador.
Diversos estudos publicados ao longo dos últimos dez anos provaram que um vegetal se reconhece como um ser único e percebe quando outras plantas ou animais tentam invadi-lo. Além disso, relaciona variáveis como níveis de água e luz e, de acordo com o que viveu no passado, toma decisões. Escolhe crescer para um ou outro lado ou abandonar ou manter suas folhas para economizar energia. “Com todas essas descobertas, não consigo ver diferenças nessa habilidade inteligente em humanos ou vegetais”, afirma Buckeridge.
Cérebro descentralizado – O que torna um e outro diversos é o tipo de processamento de informações. Árvores e arbustos, devido a sua falta de locomoção, desenvolveram um sistema descentralizado – diferente do animal, que é localizado em órgãos como o cérebro. O processamento vegetal de informações é semelhante a uma rede de inteligência artificial, como em computadores. Seus sensores, que captam luzes de diferentes intensidades (como nossos olhos) ou sons delicados como o movimento aquático dentro das células (como nossos ouvidos), estão espalhados por todo o vegetal.
“Plantas leem ao menos vinte parâmetros diferentes do ambiente e integram toda essa informação sensorial a suas células e tecidos para responder de maneira inteligente – senão, elas não sobreviveriam. Isso requer memória, aprendizado, uma forma de cognição. Mas é preciso lembrar que elas têm sua própria versão dessas habilidades, ditadas por sua vida vegetal”, afirma Frantisek Baluska, biólogo da Universidade de Bonn, na Alemanha e um dos fundadores do Laboratório Internacional de Neurobiologia Vegetal, em Florença, na Itália.
Dessa maneira, um vegetal age por meio de uma reunião de sistemas inteligentes que dirige suas atitudes. “Cada ramo ou folha é uma unidade mais ou menos autônoma que se une para formar o todo da planta. Como uma confederação”, diz Buckeridge.
Ética – Intencionalmente, o objetivo dos pesquisadores é borrar as fronteiras entre os reinos mineral, vegetal e animal. Essa visão hierárquica da natureza – criada pelo botânico sueco Carlos Lineu no século XVIII, espelhada nos grandes impérios europeus – deu lugar a uma visão mais democrática da natureza na área científica. “Passamos de uma visão cósmica centrada no homem para outra centrada no animal. Agora, estamos caminhando para um sistema que será centrado na vida”, afirma o biólogo.
O próximo passo será decidir o que fazer com essas informações que colocam os vegetais em um espaço muito próximo a nós. Da mesma forma que descobertas mostrando que animais sentem dor e têm sistemas biológicos próximos aos humanos suscitam a discussão sobre o uso que fazemos deles, também a forma de utilizar as plantas no futuro, a depender desses pesquisadores, será uma questão ética. “O problema vai deixar de ser se esses seres sofrem ou não ou se têm memória. Eles sentem e lembram. O que ainda vamos precisar decidir é nosso papel e responsabilidade frente a seres que colocamos a nosso serviço. Será um problema moral para as próximas gerações”, diz Buckeridge.