A riqueza da Amazônia, da flora à fauna, está intimamente associada à umidade. Além de presenciar chuvas intensas durante quase todo o ano, a floresta abriga a maior bacia hidrográfica do mundo. No entanto, de acordo com um novo estudo, regiões alagadas desse ecossistema podem se tornar savanas dentro do próximo século devido às mudanças climáticas.
As planícies do Alto Rio Negro e dos rios Madeira e Amazonas são conhecidas pelos vastos alagamentos nos períodos de cheia, mas, até 2100, elas podem perder a sua vegetação alta e frondosa e ganhar um aspecto savânico, caracterizados pelas gramíneas e arbustos.
Essa previsão só foi possível devido ao estudo dos lençóis freáticos, um componente cujo papel na definição dos biomas ainda era desconhecido. “Por séculos, o efeito das chuvas e da temperatura na vegetação foi muito bem documentado, mas o efeito da água subterrânea, que nós não conseguirmos ver, sempre foi muito abstrato e difícil de compreender”, afirmou a Veja o autor principal do estudo publicado nesta segunda-feira, 7, na PNAS, Caio Mattos. “Então o meu doutorado inteiro foi dedicado a entender como isso funciona.”
O que ele e os outros pesquisadores descobriram foi que a contribuição desse fator é bem maior do que se acreditava. De acordo com a pesquisa, quando o lençol freático é estável – ou seja, quando o nível de água subterrânea é constante – o regime de chuvas de fato é o fator principal para definir se a vegetação vai ser tropical ou savânica. No entanto, quando o volume dos lençóis varia muito, a tendência é que a vegetação rasteira predomine independentemente do volume de chuva.
Isso acontece porque as florestas tropicais são muito sensíveis e não conseguem sobreviver a grandes variações. As gramíneas e arbustos das savanas, por outro lado, se adaptam bem tanto a períodos de seca, quanto a períodos de chuvas.
Mas o que isso tem a ver com as regiões alagadas? A questão é que à medida que os períodos de seca ficam mais longos e intensos, devido ao aquecimento global, os lençóis freáticos dessas regiões tendem a ficar mais instáveis, o que poderá causar a morte da vegetação local, que, consequentemente, será substituída por plantas mais rasteiras.
“A visão dominante hoje é que um futuro mais seco e quente vai colocar em risco apenas as fronteiras da floresta, mas o nosso trabalho sugere que essa desestabilização pode progredir para dentro da Amazônia”, afirma Mattos, que agora é aluno de pós-doutorado na Universidade de Princeton e pesquisador visitante na Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) dos Estados Unidos. “No entanto, é preciso tomar cuidado com essas previsões, porque nós ainda estamos começando a entender a importância dessa água subterrânea.”
Esse estudo foi feito com base em modelos matemáticos. Desde 2013, os pesquisadores compilaram observações pontuais que foram feitas em todo o mundo para construir uma ferramenta computacional que ajuda a entender como o as chuvas e os rios interferem no lençol freático. Depois disso, eles compararam o estado do solo a dados de cobertura vegetal registrados por satélites, o que permitiu elucidar como esses dois fatores estão relacionados.
Agora, pesquisas futuras precisam investigar essa relação de maneira mais local para ajudar a aprimorar esse modelo. “Nós fizemos o melhor com o que temos, mas agora precisamos de mais dados e isso só será obtido com mais investimento em pesquisa”, diz Mattos. “De todo modo, é importante notar que esse trabalho foi liderado por pesquisadores brasileiros e nós estamos muito orgulhosos disso.”