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Artista holandês reconstrói virtualmente o mítico império asteca

Tecnologia 3D é transformada em uma ferramenta de conservação da memória e do patrimônio histórico

Por Valéria França Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 09h45 - Publicado em 1 out 2023, 08h00

A arquitetura, a cultura e os costumes dos povos originários da América Central ainda são pouco divulgados mundo afora. Um dos principais motivos é que, para impor sua dominação, a colonização espanhola destruiu monumentos e artefatos das sociedades oprimidas a fim de substituí-los pelo padrão europeu — um fenômeno que também ocorreu no Brasil com os portugueses. No caso da civilização asteca, a falta de informações sobre a região central do México, chamada no período pré-hispânico de Tenochtitlán, e uma grande curiosidade sobre aquela época levaram o artista digital holandês Thomas Kole a recriá-la digitalmente. Durante um ano e meio, ele mergulhou em pesquisas históricas e arqueológicas a fim de reconstruir um patrimônio da humanidade soterrado pelo tempo e pelos conquistadores.

O trabalho foi árduo, a começar pelo fato de haver poucos especialistas no tema aptos a conceder relatos e explicações. A título de curiosidade: no curso de história da Universidade de São Paulo (USP), a melhor da América Latina, só existem professores que se debruçaram sobre essa civilização na pós-graduação, e não na graduação. Mas, de tijolo em tijolo documental, Kole conseguiu montar um retrato do conglomerado urbano dos astecas. Era um local organizado, planejado e suntuoso, bem diferente da imagem pintada pelos colonizadores. “Aprendemos na escola que os nativos e as civilizações pré-colombianas eram primitivos”, diz Kole. Porém, quanto mais avançava em seus estudos, mais ele se surpreendia com o que via e podia reproduzir na tela.

arte México

Mesmo sem nunca ter visitado a América Central, o holandês conseguiu dar vida à capital e a outras cidades astecas com riqueza de detalhes. O grupo que habitava Te­noch­ti­tlán, genericamente chamado de Império Asteca, era formado por três cidades: México Te­noch­ti­tlán, Texcoco e Tlacopan. Em seu trabalho de recuperação virtual, Kole pavimentou calçadas, lagos, bulevares e monumentos, entre eles o Templo Maior, considerado o mais importante dessa civilização, além de ser um exemplo de como a cultura indígena sofreu um processo de apagamento. O primeiro prédio do monumento foi erigido por volta de 1325. Passou posteriormente por seis reformas de ampliação, até ser destruído pelos espanhóis, em 1521. Sobre as ruínas, os conquistadores elevaram construções nos moldes europeus. Só na década de 1980, o governo mexicano autorizou escavações no local, que permitiram resgatar mais de 7 000 objetos, hoje reunidos em um museu. A coroação dessa saga vem agora com os pixels da tecnologia 3D. “Esse trabalho é uma forma de resgatar e valorizar o rico trabalho das sociedades indígenas”, diz a historiadora Glaucia Montoro, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).

De fato, o recurso se transformou numa ferramenta relevante para resgatar a arquitetura de povos antigos e conservar sua memória. E já tem bons precedentes. Há doze anos, a mesma tecnologia levou o sérvio Danila Loginov a começar a coleta de imagens da Roma Antiga, com a ajuda de dois sócios especializados em imagem digital. Juntos, criaram o Projeto História em 3D, por meio do qual reconstruíram o Império Romano com toda a pompa e circunstância da época — trabalho que consumiu uma década. Ao final, o trio produziu um vídeo que permite às pessoas fazer um tour virtual por pontos históricos, como o Coliseu. Nessa levada, na França, a reconstrução da catedral Notre-Dame de Paris, destruída em parte por um incêndio em 2019, só foi possível devido a um desenho digital do prédio feito quatro anos antes pelo historiador Andrew Tallon — ele chegou a usar um scanner a laser para obter imagens com precisão milimétrica.

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DE TIJOLO EM TIJOLO - Kole, o artista holandês: recriação minuciosa
DE TIJOLO EM TIJOLO - Kole, o artista holandês: recriação minuciosa (@thomaskoleta/Twitter)

No Brasil, tecnologias como essas também vêm sendo abraçadas para resgatar nossas heranças. Tomado pelo fogo em 2018, o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, guardava 20 milhões de itens históricos. Graças à existência de um inventário digital de tudo o que havia dentro do prédio, boa parte das peças já foi recuperada. “É fundamental absorver novos recursos para auxiliar na preservação do patrimônio”, diz Leandro Grass, presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Na sede do Iphan, em Goiânia, atualmente há uma exposição intitulada Goiás: 11 000 Anos, com peças do sítio arqueológico do município de Serranópolis, onde foi encontrado um esqueleto de 12 000 anos. Com o apoio de óculos 3D, a mostra ganha interatividade: os visitantes fazem um passeio virtual pelas grutas, onde conseguem visualizar pinturas rupestres e câmaras que já serviram de moradia para os povos originários, além de artefatos que revelam seu modo de vida. Nesse ambiente recriado, de inegável relevância histórica, até mesmo quem poderia achar a visita árida e maçante costuma se surpreender com o aspecto lúdico — diversão que, para as crianças, lembra até um jogo de videogame. De Serranópolis a Tenochtitlán, a tecnologia se consolida como uma grande aliada do passado.

Publicado em VEJA de 29 de setembro de 2023, edição nº 2861

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