Em meio a uma infinidade de evidências de que a população afrodescendente é discriminada no Brasil, embora o presidente Jair Bolsonaro negue a existência de racismo no país — em termos de homicídios, por exemplo, o número de vítimas negras é o dobro do de brancas —, a história relatada pela química Joana D’Arc Félix de Sousa sempre foi vista como de uma superação exemplar. Nascida na cidade de Franca (SP), em uma família pobre, Joana foi convidada nos últimos anos a conceder entrevistas e depoimentos a diversos veículos de imprensa, VEJA inclusive, e a proferir palestras para contar de que modo teria chegado tão longe em sua formação acadêmica. Ela dizia haver aprendido a ler aos 4 anos, passado no vestibular de química na Unicamp aos 14, obtido doutorado na mesma instituição aos 23 e feito pós-doutorado na Universidade Harvard (EUA), mencionado em seu currículo. Depois disso, afirmava, escolhera não se dedicar a pesquisas nos Estados Unidos para montar um projeto voltado para alunos em situação de vulnerabilidade social em sua cidade natal. A história era tão extraordinária que parecia digna de um roteiro cinematográfico — e estava mesmo programado um filme sobre a vida de Joana, produzido pela atriz Taís Araújo. O enredo magnífico, no entanto, sofreu um vigoroso abalo. O motivo: Joana mentiu em diversos pontos de seu relato.
Na terça-feira 14, o jornal O Estado de S. Paulo revelou que a cientista falsificara o documento de pós-doutorado de Harvard. O diário enviou à universidade uma cópia do suposto diploma. A instituição negou que ofereça tal tipo de titulação, e um dos professores atestou que sua assinatura que lá aparecia era forjada. Joana sustentava, ainda, que obtivera uma bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), no que também foi desmentida. Nem a idade em que dizia ter começado a graduação era verdadeira. Em entrevista a VEJA, um dia após a divulgação das fraudes, Joana declarou: “Pode ser que eu não tenha explicado da forma correta, mas não menti em nenhum momento”. Mentiu, sim. Sua atitude forneceu munição para ataques preconceituosos — e pode minar os sonhos daqueles que desejavam um dia ser como ela se apresentara.
Publicado em VEJA de 22 de maio de 2019, edição nº 2635
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