As novas missões da Nasa e Agência Espacial Europeia para Júpiter
No maior planeta do sistema solar, o objetivo é investigar possíveis lugares habitáveis
Na antiga mitologia romana, Júpiter era um deus onipresente, rei de todas as divindades — seu equivalente grego chamava-se Zeus. Considerado o soberano dos céus, atribuía-se a ele relâmpagos, trovões e chuvas torrenciais. Não tinha medo de nada, a não ser da companheira, Juno. Além disso, gostava de exibir sua força aos pares e desafetos. Com esse perfil, não admira que os romanos tenham batizado o maior planeta do sistema solar em sua homenagem. Com mais do dobro da massa de todos os outros combinados, tem cerca de 61,5 bilhões de quilômetros quadrados de área (312 vezes a da Terra). Além disso, é alvo de tempestades turbulentas, ventos fortes, temperaturas e pressões extremas na superfície instável. Embora seja estudado de perto desde os anos 1970, Júpiter voltou apenas agora ao radar das agências espaciais — e, muito provavelmente, para nunca mais sair dos holofotes.
Atualmente, a Nasa está nas imediações de Júpiter com a sonda Juno (leia abaixo), que entrou na órbita no planeta em 2016 e faz voos de aproximação. Pelos cálculos da agência americana, a missão deverá enviar informações até setembro de 2025 ou enquanto os instrumentos funcionarem. Por sua vez, a Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês) lançou há pouco mais de uma semana a missão Juice em direção ao gigante gasoso, assim classificado por não ter terreno sólido, mas uma mistura de grandes quantidades de gases (hidrogênio e hélio, principalmente) sobre um núcleo líquido. Na verdade, o destino principal do satélite artificial europeu são três das quatro luas mais relevantes do chamado sistema joviano: Ganimedes, Calisto e Europa.
O nome completo da sonda Juice, acrônimo de Jupiter Icy Moon Explorer (Explorador das luas geladas de Júpiter, em tradução livre), ajuda a explicar o interesse dos cientistas e astrônomos europeus nessa empreitada. Descritos por Galileu Galilei em 1610, os satélites naturais eram um mistério até alguns anos atrás. Missões anteriores forneceram evidências indiretas da existência de oceanos subterrâneos dentro das chamadas “luas geladas”, que provavelmente contêm muito mais água do que a Terra — e, talvez, vida extraterrestre na forma de bactérias. “Caracterizá-las em detalhes, entender por que existem e como são, pode fornecer algumas dicas sobre sua habitabilidade e mudar a maneira como procuramos mundos habitáveis em nosso sistema solar e em outros sistemas planetários”, disse a VEJA Rosario Lorente, cientista operacional do projeto.
Para isso, a Juice carrega dez instrumentos de última geração, incluindo poderosos sensores remotos e um monitor de radiação. Embora a coleta de dados tenha começado na fase de cruzeiro, as primeiras imagens detalhadas do sistema jupiteriano só serão geradas seis meses antes do início da fase científica, prevista para julho de 2031. Até lá, a espaçonave percorrerá um caminho cheio de curvas e voltas para chegar a seu destino, que fica a cerca de 600 milhões de quilômetros da Terra. E contará com impulsos gravitacionais do planeta azul, da Lua e de Vênus para completar a trajetória. Ao atingir seu objetivo, a sonda fará 35 voos sobre as três luas galileanas. Perto do fim, entrará em órbita ao redor do maior satélite natural, Ganimedes, onde provavelmente terminará seus dias. É a primeira vez que um veículo construído por humanos orbitará um satélite além da Lua.
Juice tem como missão caracterizar todo o sistema: o próprio planeta, suas quase 100 luas, os anéis, a magnetosfera. A ideia, segundo os cientistas envolvidos, é compreender a superfície, o interior, o campo magnético e as interações com o meio ambiente. Io, a quarta lua descrita por Galileu, está fora da equação e não será visitada. A razão para essa desfeita é simples: trata-se de um satélite natural rochoso e vulcânico, com pouquíssima possibilidade de oceanos subterrâneos e gelados. “Embora seja muito interessante, está tão perto de Júpiter que seria perigoso para a missão abordá-lo devido ao ambiente de alta radiação em suas proximidades”, explica Lorente.
Não é só. Enquanto administra Juno, a Nasa trabalha na missão Europa Clipper, cujo destino é a lua que talvez tenha a maior quantidade de água do sistema. Com previsão de saída da Terra em outubro de 2024, a potente espaçonave deve chegar às imediações de Júpiter em abril de 2030. A sonda americana fará uma viagem de apenas cinco anos e meio e chegará à região antes que a coirmã europeia. Maior nave espacial que a agência já desenvolveu para uma missão planetária, ela realizará dezenas de voos a até 25 quilômetros de distância da superfície de Europa, fazendo medições detalhadas para investigar se o local reúne condições adequadas para abrigar vida.
A Nasa segue firme em seus planos, embora do casamento com iniciativas privadas como a de Elon Musk brotem sustos — na quinta-feira 20, a gigantesca Starship, da SpaceX, levantou voo, mas explodiu quatro minutos após sair do chão. Contudo, a aventura continua. Pela distância e por sua complexidade, Júpiter ainda é um mistério para a ciência. “O planeta pode ser encarado como um minissistema solar”, disse a VEJA o astrofísico brasileiro Gustavo Madeira, autor de um artigo sobre a formação das quatro luas galileanas. “Por isso, é interessante estudá-lo para fazer um paralelo com a formação do nosso sistema.” Detalhe: longe de serem concorrentes, as missões trabalham juntas para trocar resultados. Uma cooperação extremamente positiva que pode desvendar os enigmas que o extraordinário planeta esconde.
Publicado em VEJA de 26 de abril de 2023, edição nº 2838