Astrônomos brasileiros estudam química estelar em busca de exoplanetas
Pesquisa feita na USP revela que a baixa abundância de lítio na estrela-mãe pode indicar a presença de planetas em sua órbita
Pesquisadores do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP) estudaram uma amostra de 192 estrelas parecidas com o Sol e encontraram uma correlação entre a presença de planetas e um baixo conteúdo de lítio nas suas estrelas hospedeiras. Essa correlação, além de ajudar a encontrar exoplanetas, pode ajudar a explicar por que o Sol possui uma abundância de lítio anormalmente baixa em comparação com suas estrelas “gêmeas”.
A pesquisa foi conduzida com dados do espectrógrafo High-Accuracy Radial velocity Planet Searcher do ESO para 36 estrelas que possuem planetas e 156 estrelas sem planetas detectados. O espectrógrafo, que age como um prisma, decompõe a luz da estrela nas diferentes frequências e revela assinaturas que refletem a composição química da estrela. Seguindo esse princípio os pesquisadores puderam determinar o conteúdo de lítio das estrelas estudadas, comparando as com e sem planetas em busca de possíveis correlações. Os resultados encontrados revelam que estrelas sem planetas conservam aproximadamente o dobro do conteúdo de lítio de estrelas com planetas. Os dados foram divulgados nesta quinta-feira, 9 na revista científica Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.
Fazer essa comparação não é uma tarefa tão simples, pois o elemento é facilmente destruído dentro das estrelas, em especial nas mais massivas. No entanto, os testes estatísticos feitos pelos pesquisadores indicam que é improvável que esse resultado seja obtido ao acaso, ou seja, a probabilidade de que ele reflete o comportamento real das estrelas é alta – cerca de 99%.
Esse novidade ajuda na compreensão de uma questão antiga. O Sol é apenas uma dentre bilhões de estrelas em nossa galáxia, mas a única encontrada até o momento que hospeda seres vivos, o que leva os astrônomos a acreditar que a vida é algo extremamente raro no Universo. Além disso, as condições necessárias para o desenvolvimento da vida – como, por exemplo, água em estado líquido – ainda não são completamente conhecidas. Assim, os astrônomos voltam sua atenção ao único exemplo conhecido com vida. Especificamente, querem saber qual aspecto torna o Sol tão único. Quão parecido ou diferente é o Sol em comparação às outras estrelas do Universo? Diversos estudos conduzidos com “gêmeas solares” revelaram uma peculiaridade em nossa estrela hospedeira: ela possui um conteúdo de lítio muito mais baixo do que suas gêmeas de mesma idade.
Essa característica pode ser resultado do processo de formação do Sistema Solar. “Todo sistema planetário é formado a partir de uma mesma nuvem de gás e poeira, portanto, eles têm os mesmos elementos químicos disponíveis para a sua formação. Elementos que não são facilmente condensados a altas temperaturas são encontrados geralmente em forma gasosa e são usados para compor a estrela e os planetas gasosos”, afirma a astrônoma Anne Rathsam, autora principal do estudo e bolsista de doutorado da FAPESP. “Por outro lado, elementos que se condensam com facilidade [como o lítio e o ferro] formam sólidos, como os planetas rochosos. Sendo assim, é possível que o lítio seja ‘roubado’ da nuvem-mãe durante a formação dos sistemas planetários para compor os planetas, deixando a estrela hospedeira empobrecida em lítio.”
Em um contexto mais amplo, o estudo do lítio em diversos tipos de estrelas tem relevância fundamental na astronomia. Segundo o professor do IAG-USP que orientou a pesquisa, Jorge Meléndez, “o lítio é um elemento fascinante. A abundância desse elemento nas estrelas mais antigas da galáxia nos fornece informações cruciais sobre os primeiros minutos do Universo. Embora não seja possível enxergar diretamente o interior estelar, o lítio é importante, pois é sensível às condições de temperatura no interior das estrelas, o que permite avaliar modelos de evolução das estrelas. E, como mostrado em nosso estudo, esse elemento também parece ser chave para identificar estrelas que possuem planetas”.
(Com Agência Fapesp)