Um relatório divulgado nesta terça-feira pela Academia Nacional de Ciências e pela Academia Nacional de Medicina dos Estados Unidos prevê que a edição genética de embriões, óvulos ou espermatozoides humanos pode se tornar realidade em um futuro próximo e determina critérios que orientam sua manipulação ética e segura. O documento impõe algumas restrições para a realização dos procedimentos, considerando a condição do paciente, as alternativas disponíveis e as consequências para as próximas gerações.
“A edição do genoma humano é uma grande promessa para a compreensão, tratamento ou prevenção de muitas doenças genéticas devastadoras e outras enfermidades”, disse em comunicado Alta Charo, co-presidente do comitê. “No entanto, a edição do genoma para aprimorar características ou habilidades além da saúde comum levanta preocupações sobre se os benefícios podem compensar os riscos e se tal justiça será disponibilizada apenas para algumas pessoas.”
Medidas de segurança
O relatório prevê que a manipulação genética em embriões, óvulos ou espermatozoides – ou seja, mudanças que seriam transmitidas de geração em geração – só deverá ser permitida em casos de condições que envolvem doenças hereditárias graves e com supervisão rigorosa. Já no caso de mudanças não hereditárias, a edição só deve ocorrer exclusivamente para tratamento e prevenção de deficiências.
Outras condições definidas pelas academias para permitir o procedimento incluem a ausência de outras alternativas razoáveis, a restrição da edição de genes que possam causar uma doença ou condição grave, a existência de dados pré-clínicos e/ou clínicos críveis sobre riscos e potenciais benefícios para a saúde, a supervisão contínua e rigorosa durante os ensaios clínicos, o estabelecimento de planos abrangentes para o acompanhamento da geração atual e das seguintes a longo prazo e a reavaliação contínua dos benefícios e riscos para a saúde e a sociedade.
Questões éticas
Apesar de testes clínicos de edição do genoma em humanos serem proibidos atualmente, a tecnologia necessária para tais procedimentos existe há décadas. Recentemente, no entanto, os cientistas conseguiram desenvolver uma técnica mais simples, barata e eficiente para manipular os genes, conhecida como CRISPR/Cas9. Essa tecnologia permite recortar, copiar e deletar partes do DNA como se fosse arquivos digitais de computadores. O primeiro estudo
Em 2015, uma equipe de pesquisadores chineses utilizou pela primeira vez a CRISPR/Cas9 em embriões humanos para modificar o gene que causa talassemia beta, doença hereditária que origina anemias graves e pode ser fatal. A técnica foi aplicada em embriões “não-viáveis” e apenas uma mínima fração dos embriões foi bem sucedida na manipulação. Em geral, o resultado do experimento foi um “mosaico genético”, com o DNA apresentando várias alterações que não as visadas pelos cientistas. Contudo, é um consenso entre os especialistas que, em pouco tempo, a técnica pode se mostrar segura o suficiente para que seja utilizada em embriões humanos.
As maiores preocupações dos cientistas em relação à mudanças em embriões, óvulos e espermatozoides são éticas, pois essas alterações têm o poder de modificar as próximas gerações — intervindo de maneira direta no futuro de nossa espécie. Além de doenças, alguns cientistas temem que a prática possa ser usada para manipular características físicas, como a cor dos olhos, tipo de cabelo ou até cor da pele, criando diferentes classes de humanos.
O relatório, no entanto, exige cautela no uso da técnica e se posiciona afirmando que a edição de características hereditárias é “uma possibilidade real que merece considerações sérias”. Segundo os cientistas, como a técnica de edição genética é uma realidade nos laboratórios do mundo todo e tem se aperfeiçoado rapidamente, é preciso regulá-la e abordar os cuidados necessários para que sejam utilizadas sem prejuízo ao homem e às gerações futuras.
O relatório contou com a participação de cientistas de onze universidades americanas. A revisão foi liderada pelo médico Harvey Fineberg, da Fundação Moore, e pelo especialista em bioética Jonathan Moreno, da Universidade da Pensilvânia.