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Cientistas brasileiros descobrem nova espécie de gato selvagem

O "Leopardus guttulus" vive no Sul e Sudeste do Brasil e tem o tamanho de um gato doméstico pequeno

Por Juliana Santos
Atualizado em 6 Maio 2016, 16h15 - Publicado em 27 nov 2013, 16h58

Uma equipe de pesquisadores brasileiros descobriu uma nova espécie de felino, que vive no Sul e Sudeste do país. O Leopardus guttulus, um tipo de gato-do-mato, tem o tamanho de um gato doméstico pequeno, pelagem com manchas semelhantes às de uma onça-pintada e 2 a 3 quilos de peso. Em um estudo publicado nesta quarta-feira no periódico Current Biology, os cientistas relatam também dois casos de cruzamento entre espécies diferentes (conhecido como hibridação) de felinos brasileiros.

CONHEÇA A PESQUISA

Título original: Molecular data reveal complex hybridization and a cryptic species of Neotropical wild cat

Onde foi divulgada: periódico Current Biology

Quem fez: Tatiane C. Trigo, Alexsandra Schneider, Tadeu G. de Oliveira, Livia M. Lehugeur, Leandro Silveira, Thales R.O. Freitas e Eduardo Eizirik

Instituição: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Universidade Estadual do Maranhão e outras

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Resultado: Os pesquisadores descobriram uma nova espécie de felino, o Leopardus guttulus, e dois casos de cruzamento entre espécies diferentes (conhecido como hibridação) entre os felinos de pequeno porte do Brasil

Eduardo Eizirik, pesquisador do Laboratório de Biologia Genômica e Molecular da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), e sua equipe da área de genética evolutiva de felinos estudam animais de pequeno porte da América do Sul, desde os anos 1990. Um dos objetos de pesquisa era o gato-do-mato (Leopardus tigrinus), relativamente comum do Sul ao Nordeste do Brasil.

Estudos anteriores concentravam-se nos animais que viviam na região de Mata Atlântica. A equipe de Eizirik foi a primeira a colher e analisar a amostra genética do Leopardus tigrinus do Nordeste. Ao comparar o material genético de gatos-do-mato das duas regiões, os pesquisadores descobriram que, na verdade, eram duas espécies distintas.

Saiba mais

DNA MITOCONDRIAL

O DNA mitocondrial não se encontra no núcleo da célula, mas dentro das mitocôndrias (estruturas responsáveis por fornecer energia, a partir da quebra de nutrientes, para as células). Ele é ideal para o estudo de arqueologia molecular, especialmente por ser naturalmente amplificado, ou seja, apresentar centenas ou milhares de cópias em uma única célula.

Em virtude de regras taxonômicas, o nome já utilizado, L. tigrinus, ficou com os animais do Nordeste, enquanto os do Sul receberam o nome científico L. guttulus. A nova espécie é, portanto, aquela mais conhecida pelos pesquisadores, enquanto pouco se sabe sobre os gatos-do-mato do Nordeste.

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A descoberta de um novo felino é um fenômeno raro. A última vez descrição ocorreu em 2006, quando o leopardo-nebuloso encontrado nas ilhas de Bornéu (Indonésia, Malásia e Brunei) e Sumatra (Indonésia) foi identificado como uma espécie. “Ao longo do século XX, praticamente nenhuma das espécies atualmente reconhecidas de felinos foi descrita”, explicou Eizirik, em entrevista ao site de VEJA.

Aparências enganam – Pela aparência, é quase impossível distinguir o L. guttulus e o L. tigrinus. “Por observação, notamos que o L. tigrinus tem pelagem um pouco mais clara e manchas menores. A cauda parece ser mais peluda no Sul e mais comprida no Nordeste. Mas essa análise não é estatística”, disse Eizirik. Apesar da semelhança física com os gatos domésticos, os gatos-do-mato não são animais dóceis. “Eles não são agressivos a ponto de atacar uma pessoa, até porque nós somos muito grandes para eles, mas são selvagens”, explica.

Veja também: Apaixonados por gatos exibem raças incomuns

Cruzamento entre espécies – O estudo traz também uma importante descoberta comportamental sobre a nova espécie: casos de cruzamento com o Leopardus geoffroyi, conhecido como gato-do-mato grande. As duas espécies se encontram na região central do Rio Grande do Sul e praticam o fenômeno chamado hibridação.

Os pesquisadores ainda não sabem a causa do cruzamento. Segundo Eizirik, é possível que as duas espécies não saibam se reconhecer e evitar a reprodução. “Pode ser que ocorra uma seleção dos indivíduos que conseguem se distinguir, e a zona híbrida suma com o tempo.” A interferência humana, em forma de modificação de habitats e desmatamento, também pode ser uma explicação para o fenômeno.

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Pistas genéticas – Nesse grupo de felinos selvagens de pequeno porte no Brasil, outro caso de hibridação foi encontrado pelos pesquisadores. Este, porém, ocorreu há milhares de anos e desapareceu, deixando apenas pistas genéticas. É o caso do L. tigrinus e do gato-palheiro (Leopardus colocolo), que habita o Centro-Oeste e tem pelagem com menos manchas.

Atualmente, as duas espécies são geneticamente distintas e não se reproduzem entre si. A descoberta foi feita a partir da análise do DNA mitocondrial (localizado no interior das mitocôndrias, organelas responsáveis por produzir energia nas células) desses animais. Enquanto o DNA “comum” de um indivíduo, conhecido como nuclear, é herdado da mãe e do pai, o mitocondrial vem exclusivamente do lado materno, e se preserva com o passar das gerações.

Os estudos mostraram que o DNA mitocondrial do L. tigrinus vem do gato-palheiro. De acordo com Eizirik, no passado, fêmeas de gato-palheiro cruzaram com machos de L. tigrinus, gerando filhotes com o DNA dos dois animais. Quando a hibridação acabou, os traços do gato-palheiro foram desaparecendo do DNA “comum” do L. tigrinus, gerando novamente indivíduos puros. O DNA das mitocôndrias, porém, continua sendo o do gato-palheiro.

Para Eizirk, as novas descobertas levam a uma importante conclusão: faltam pesquisas sobre biodiversidade, tanto no Brasil quanto no resto do mundo. Atualmente existem cerca de 2 milhões de espécies reconhecidas, mas as estimativas são de que esse número represente de 1 a 5% das espécies existentes. “As pessoas têm a ideia de que os felinos, que agora somam 38 espécies no mundo, são bem conhecidos, mas ainda existem informações básicas sobre eles que não foram descobertas”, afirma o pesquisador.

“Estamos passando por uma mudança de paradigma”

Eduardo Eizirik

Pesquisador da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

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Quando e por que o L. tigrinus e o L. guttulus se diferenciaram?

A estimativa mínima é que isso tenha ocorrido há cerca de 100 mil anos. A diferenciação pode ter várias origens. Pode ser que o animal de Mata Atlântica tenha colonizado a caatinga e o cerrado, e, por adaptação, tenha ocorrido uma mudança. Pode ser também que elas sequer sejam espécies irmãs. Alguns dados sugerem que o L. tigrinus, a espécie descoberta no Nordeste, seja mais parente do L. geoffroyi. Precisamos de muitos estudos para entender como foi esse processo.

É possível que uma das espécies esteja ameaçada de extinção?

Sabemos pouquíssimo sobre o L. tigrinus. Não sabemos se ele está em toda a região ou se vive em áreas afetadas por mudanças ambientais e ações humanas, o que come, suas principais ameaças. Essa espécie precisa ser avaliada em termos de conservação e pode sim estar ameaçada.

A hibridação é um fenômeno comum na natureza?

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Estamos passando por uma mudança de paradigma nesse sentido. Ao longo do século XX, os zoólogos criaram um conceito de espécie que envolve o não cruzamento. Para eles, a hibridação era rara. Isso mudou nas últimas décadas com o advento das técnicas moleculares, porque muitos híbridos não eram detectados por serem morfologicamente parecidos com uma das espécies que os originou. A partir dos anos 1980 e 1990, começaram a aparecer mais casos. Ainda não é comum, mas mais frequente do que se pensava.

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