Há muitos pré-requisitos para que um planeta seja considerado apto a abrigar qualquer forma de vida. Por exemplo, a necessidade de existir atividade geológica e uma atmosfera em função da gravidade superficial e, além disso, sua órbita precisa estar na zona habitável do sistema planetário (ou seja, na região que permite a existência de água líquida na superfície do corpo celeste).
Apesar dessas limitações, tudo indica que podem existir muitos planetas candidatos a servir de residência para animais e plantas no universo. Nem precisa ir muito longe. Já há diversas possibilidades em nossa vizinhança, a Via Láctea. É o que constatou um grupo de cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que, ao lado de colaboradores internacionais, investigou o assunto em artigo publicado no periódico inglês Monthly Notices of Royal Astronomical Society (MNRAS).
Ao longo da pesquisa, os estudiosos analisaram um total de 53 gêmeas solares (estrelas com temperatura, gravidade e composição química superficiais próximos aos do Sol) por meio do uso de um espectrógrafo instalado em um telescópio de 3,6 metros do European Southern Observatory, no Chile. O espectrógrafo serve para registrar e analisar o espectro eletromagnético de cores dos corpos celestes, que vão desde os comprimentos de onda mais curtos (ultravioleta ou violeta) aos mais longos (a exemplo do infravermelho).
Os profissionais concluíram que planetas rochosos ao redor dessas gêmeas solares apresentam grandes probabilidades de possuírem tectonismo (isto é, um tipo de atividade geológica), o que aumenta significativamente a sua habitabilidade. A pesquisa revelou também que esses corpos apresentam condições geológicas favoráveis não só para a manutenção, mas para o surgimento da vida. Ademais, o estudo apontou que a vida pode estar espalhada pela galáxia e ter surgido, originalmente, em qualquer lugar.
Em conversa com VEJA, André Milone, um dos cientistas do INPE responsáveis pelo estudo, afirmou que esse trabalho possui algumas diferenças quando comparado aos que foram feitos anteriormente sobre o assunto. “Uma das principais inovações é que as estrelas analisadas cobrem uma gama ampla de idades (de 0,4 a 8,6 bilhões de anos), permitindo uma investigação desde a formação do disco da Galáxia”, disse o astrônomo.
O resultado foi alcançado depois que os pesquisadores descobriram uma abundância do elemento radioativo tório em estrelas gêmeas do Sol. O tório, assim como o urânio e o potássio, é uma substância muito relacionada ao tectonismo, e está presente, por exemplo, no manto terrestre. A convecção do manto é o que causa os movimentos tectônicos de placas, e a energia liberada por esses elementos as faz mexer. Assim, uma grande concentração desses compostos em um planeta rochoso podem preencher o critério de atividade geológica em um corpo, indicando a possível habitabilidade em sua superfície.
De acordo com Rafael Botelho, doutorando em Astrofísica do Inpe e orientando de Milone, a investigação inédita de gêmeas solares mais antigas abriu muitas portas. O maior exemplo é a descoberta de que o tório é abundante também nesses corpos antigos, o que significa que o universo pode estar repleto de seres vivos não só hoje, mas ao longo de muito tempo e por todo o espaço.
Apesar do sucesso da pesquisa, os profissionais tiveram que enfrentar alguns desafios, sobretudo de ordem técnica. “A grande dificuldade foi descobrir a abundância do tório nos lugares que analisamos”, explicou Botelho. Segundo ele, o obstáculo foi ainda maior devido ao fato de que esse elemento não era o mais presente nas regiões investigadas — ou seja, foi preciso encontrá-lo e separá-lo dos demais para só então medir a quantidade de tório existente. “Contudo, como estamos trabalhando com dados de alta resolução, o desafio se tornou um pouco menos complicado. Ainda assim, foi uma árdua tarefa”, concluiu.