Estudo mostra encolhimento da população da Holanda e intriga pesquisadores
O país segue tendo as pessoas mais altas do planeta, mas os jovens de hoje são pelo menos 1 centímetro mais baixos que os de quatro décadas atrás
A Holanda é um país admirado pela beleza de suas tulipas, pela genialidade de artistas como Van Gogh e Rembrandt, por craques do futebol como Johan Cruyff, por seus deliciosos queijos gouda, pelos inconfundíveis moinhos de vento e até como referência em inovação e mobilidade urbana. Por ironia, os Países Baixos, como são chamados por razões geográficas (se localizam parcialmente abaixo do nível do mar), também são conhecidos como uma terra de gigantes. Há mais de meio século, o povo holandês é apontado por estudos científicos como o mais alto do planeta. Uma recente pesquisa, no entanto, causou certa preocupação pelos lados de Amsterdã: os holandeses seguem no topo do ranking de estatura, mas estão encolhendo.
O Escritório Central de Estatísticas dos Países Baixos (CBS, na sigla local) analisou os dados de 719 000 pessoas de 19 a 60 anos nascidas na Holanda e mostrou que, na média, os jovens de hoje são pelo menos 1 centímetro mais baixos que os de quatro décadas atrás (confira a tabela abaixo). Freou-se, portanto, uma trajetória notável. Até o início do século XX, os holandeses eram considerados baixos para os padrões europeus, enquanto noruegueses e suecos faziam jus às lendas nórdicas sobre gigantes vikings. No entanto, o investimento em bem-estar social e saúde pública, aliado a fatores genéticos e programas que difundiram a alimentação saudável, fez a população espichar. Hoje em dia, um a cada cinco holandeses jovens ultrapassa 1,90 metro de altura e apenas 12% têm menos de 1,75 metro, o que os coloca no topo do mundo. Entre as mulheres, uma a cada dez está acima de 1,80 metro. O país tem até um clube exclusivo para grandalhões, o Lange Mensen, fundado em 1958.
O resultado negativo de 2021, portanto, causou enorme surpresa e imediata corrida por explicações. A principal delas diz respeito ao aumento da imigração de grupos não ocidentais e geneticamente mais baixos, como árabes e asiáticos. A tese, no entanto, é contestada pelo fato de ter havido estagnação ou leve redução de tamanho entre holandeses sem histórico de miscigenação. Em entrevista a VEJA, Gert Stulp, professor de ciências do comportamento e sociais da Universidade de Groningen e um dos responsáveis pelo levantamento, cita outras hipóteses. “Um fator provável são os maus hábitos alimentares, como a popularização de fast foods”, diz Stulp, reforçando que, assim como nos Estados Unidos, onde também houve queda recente na altura dos jovens, na Holanda há taxas crescentes de obesidade. “A desigualdade social, estimulada pela crise financeira de 2008, é outro potencial motivo, embora ainda especulativo.”
Não é mistério que a redução da miséria e a melhora nos serviços de saúde impactam no tamanho dos povos. É por isso que países emergentes têm os maiores índices recentes de crescimento, de acordo com levantamento feito pela universidade britânica Imperial College, do qual o Brasil foi um dos destaques. A estatura média dos jovens brasileiros de 19 anos está em 1,75 metro para homens e 1,62 metro para mulheres, com um salto de cerca de 4 centímetros para cada grupo em um espaço de 35 anos. O líder de crescimento no período foi a China: 8 centímetros.
Para Daniel Magnoni, cardiologista e nutrólogo do Hospital do Coração e do Instituto Dante Pazzanese, o resultado era esperado. “Inegavelmente, o Brasil teve uma melhora no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), na realização de exames pré-natais e em programas de vacinação e cuidados com a alimentação infantil”, ressalta. Ele também aponta a redução da ocorrência de doenças, infecções e verminoses como um fator relevante. Ainda na esteira socioeconômica, as nações mais pobres do sul e sudeste da Ásia, da América Latina e da África Oriental têm, não por acaso, a população mais mirrada. Em países como Timor Leste e Laos os homens beiram 1,60 metro. “Genética, boa alimentação e assistência sanitária são a chave”, aponta Magnoni. No Brasil, ainda temos muito a crescer.
Publicado em VEJA de 20 de outubro de 2021, edição nº 2760