Expedição investiga vestígios de dinossauros na região de São Paulo
Animais viveram por ali há mais de 65 milhões de anos
Em 1859, incomodados com a visão exótica do Brasil que contaminava os registros daquele tempo, o imperador dom Pedro II incentivou a formação de uma trupe destinada a vasculhar regiões inexploradas do país. O grupo, formado por cientistas, ilustradores e pelo poeta romântico Gonçalves Dias, partiu do Rio de Janeiro a caminho do Nordeste. As aventuras e desventuras da primeira expedição 100% brasileira, sucedânea de travessias de europeus como Martius e Spix, narradas com humor e elegância pelo jornalista Delmo Moreira em Catorze Camelos para o Ceará, são a gênese de uma semente.
Os instrumentos e recursos tecnológicos mudaram, mas a sede por descobertas em um território de dimensão continental persiste, revigorada, com olhar para o passado. Há imenso interesse, agora, em torno dos dinossauros que teriam habitado nossas várzeas e nossos bosques. Liderado pelo paleontólogo Luiz Eduardo Anelli, um dos maiores nomes de sua área de estudos, o Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP) vasculha a trajetória dos imensos bichos que por aqui teriam passeado há dezenas de milhões de anos. É investigação inédita e fascinante.
O nome do projeto é simples e direto: Trilha dos Dinossauros, concebido para popularizar a pré-história nacional. A peripécia começou a percorrer 24 municípios de São Paulo — da divisa com o Rio a leste até o extremo oeste do estado, passando pela capital (acompanhe no mapa abaixo). Em comum, todos os pontos na rota reúnem um vasto material desenterrado ou reconstruído que serve de base para reconectar o ontem e o hoje. Os protagonistas, claro, são os dinos, cujos restos mortais se encontram hoje em sítios arqueológicos, museus e centros de pesquisa no itinerário. Em Taubaté, é possível encontrar fósseis originais. Em São Carlos, existem pegadas raras de um ornitópode. Em Santo André, é possível admirar o único esqueleto de Tyrannosaurus rex da América do Sul, montado com a ajuda de Anelli.
Todas as amostras datam da era mesozoica, a chamada Idade dos Dinossauros, que durou de 250 milhões a 65 milhões de anos atrás. Por meio dos registros em rochas, como os que norteiam as pesquisas do levantamento da USP, pode-se tirar conclusões muito próximas do que realmente houve. Para Anelli, a principal motivação do projeto é, reafirme-se, o aspecto didático, atalho para o conhecimento. “A maior e mais rápida aplicação para todo o dinheiro investido nas pesquisas sobre dinossauros está na educação”, diz. “Os dinos põem livros nas mãos das crianças, as mantêm entretidas e com sede pelo saber.” Autor de mais de vinte obras sobre os gigantes pré-históricos, Anelli já ganhou um prêmio literário Jabuti e publicou há pouco o Novo Guia Completo dos Dinossauros do Brasil, que cataloga 54 espécies.
Para além do chamariz educativo, a Trilha movimenta o turismo. “A iniciativa é incrível, está trazendo gente que nem imaginava que nós existíamos”, afirma Jéssica Prado Gomes, do Museu Interativo de Ciências, em São José dos Campos, que tem, em seu acervo, o único esqueleto do dinossauro tupiniquim Oxalaia quilombensis. Nos planos de Anelli, a iniciativa vai se expandir e abranger outros bichos e cantos do país. O Brasil tem ao menos dez relevantes sítios paleontológicos, caso do Vale dos Dinossauros, na Paraíba, onde se encontra a maior quantidade de vestígios fossilizados no planeta. O projeto paulista prova que expertise e fascínio para explorar esse campo existem. Cabe evocar Gonçalves Dias, o poeta daquela primeira passagem: há muitos tesouros debaixo da famosa terra que “tem palmeiras onde canta o sabiá”.
Publicado em VEJA de 26 de abril de 2023, edição nº 2838