Em meio a mais de trinta empresas e instituições acadêmicas debruçadas mundo afora na corrida para encontrar uma vacina contra o novo coronavírus, é bem-vindo um estudo, ainda em estágio inicial, capitaneado por cientistas brasileiros. Há cerca de um mês, pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Minas Gerais, e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Vacinas (INCT-V) estão às voltas com o projeto que busca um imunizante para combater a Covid-19. A estratégia consiste em manipular o vírus que causa a influenza, retirando dele uma proteína importante para a sua multiplicação nas células, de tal forma que não consiga mais causar a doença. Além disso, os pesquisadores vão introduzir no material genético do vírus da gripe um fragmento do RNA do coronavírus. Assim, o vírus da gripe, ao infectar as células, produzirá proteínas tanto da influenza quanto do novo coronavírus, gerando uma proteção imunológica simultânea contra os dois vírus respiratórios. E assim o organismo não seria infectado.
A hipótese, se confirmada, pode ser uma trilha para a tão investigada vacina. “A ideia é que os anticorpos e as células gerem uma proteção capaz de evitar a infecção do vírus da Covid-19. É como se a imunidade fosse provocada”, explica Alexandre Machado, que coordena a iniciativa junto com o colega Ricardo Gazzinelli, em parceria com instituições como a UFMG, o Instituto Butantã, de São Paulo, e o Instituto do Coração, conforme publicado em reportagem de VEJA, e a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. “Acreditamos que o esforço colaborativo seja uma ferramenta eficaz no enfrentamento da pandemia. Não sabemos o que vem pela frente, então, dominar uma tecnologia de vacina é uma questão de soberania nacional”, reflete Machado.
Os benefícios desta frente de pesquisas residem justamente nesta bivalência da possível vacina – que atacaria ao mesmo tempo a gripe e a Covid-19. “Como essas duas doenças infectam as mesmas células, os mesmos tecidos e na mesma região, o pulmão, achamos que pode ser um mecanismo eficiente”, ressalta Machado, do Laboratório de Imunologia de Doenças Virais da Fiocruz mineira. “Sem contar que pode ser de grande valia no enfrentamento de possíveis surtos futuros, chamados reemergentes, como ocorre com o sarampo e a febre amarela, por exemplo”, completa.
O próximo passo do projeto será dado nas próximas semanas, assim que os insumos para a construção do vírus em laboratório chegarem do exterior e as licenças regulatórias forem liberadas. A expectativa é que a vacina seja testada em camundongos no prazo de 12 a 18 meses, e que, se tudo ocorrer dentro do esperado, esteja no mercado em até quatro anos. “Nosso objetivo é chegar a uma vacina democrática para o Sistema Único de Saúde, que seja usada em campanhas de vacinação. Como instituições públicas, temos a obrigação de salvar vidas e de dar um retorno à sociedade”, reitera o pesquisador. Toda força à ciência.