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Hábito de cozinhar desenvolveu o cérebro humano

Pesquisa de neurologista brasileira mostra que se mantivéssemos dieta crua dos outros primatas, que têm corpos grandes e cérebros relativamente pequenos, não teríamos desenvolvido nosso cérebro atual

Por Guilherme Rosa
Atualizado em 6 Maio 2016, 16h26 - Publicado em 22 out 2012, 19h55
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  • Entre os grandes primatas, parece haver uma oposição entre o desenvolvimento corporal e o cerebral. Os gorilas são os maiores primatas do mundo – um macho da espécie pode ser até três vezes maior do que um homem. No entanto, eles possuem cérebros pequenos, com apenas um terço da quantia de neurônios dos Homo sapiens. Já os chimpanzés, apesar de menores, têm cérebros de tamanho relativamente parecido com os dos humanos. Isso acontece porque a energia necessária para manter milhões de neurônios funcionando é alta e, em alguns casos, vale mais a pena gastar as escassas calorias disponíveis em outros órgãos.

    CONHEÇA A PESQUISA

    Título original: Metabolic constraint imposes tradeoff between body size and number of brain neurons in human evolution

    Onde foi divulgada: revista PNAS

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    Quem fez: Karina Fonseca Azevedo e Suzana Herculano-Houzel

    Instituição: Universidade Federal do Rio de Janeiro

    Resultado: As pesquisadoras compararam a quantidade de energia necessária para manter o cérebro e o corpo de 11 espécies de primatas funcionando. Segundo os cálculos, se o Homo sapiens mantivesse a mesma dieta que os outros primatas, ele precisaria passar nove horas e meia por dia se alimentando. Para que seu cérebro pudesse se desenvolver, ele precisou adotar uma dieta que facilitasse a absorção de calorias, o que aconteceu com o cozimento dos alimentos.

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    O cérebro humano, no entanto, é um ponto fora dessa curva. Existiu algo de único no desenvolvimento humano que permitiu com que o homem superasse as limitações sofridas por todos os outros primatas e desenvolvesse o maior cérebro, que gasta 20% de toda a energia do corpo.

    Segundo uma pesquisa publicada nesta segunda feira na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), essa exclusividade da evolução humana pode ser explicada pelo advento da cozinha. “Nossos estudos sugerem que o domínio do fogo e seu uso para cozinhar os alimentos permitiram que nós nos tornássemos humanos”, disse a neurocientista Suzana Herculano-Houzel, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, uma das autoras do estudo, em entrevista ao site de VEJA.

    Cozinheiros – Para descobrir o que diferenciava os humanos dos outros primatas, a cientista comparou a dieta de todas as espécies com sua necessidade diária de calorias. “Um gorila, por exemplo, precisa se alimentar durante oito horas e meia para manter seu corpo e cérebro funcionando”, diz a pesquisadora. Nesse caso, desenvolver um cérebro maior estava fora de cogitação. Os chimpanzés também se alimentam por um longo período, cerca de sete horas, mas conseguiram desenvolver um cérebro relativamente maior por terem um corpo menor.

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    Com os dados, a pesquisadora conseguiu explicar a existência de duas linhagens de primatas: os grandes de cérebro pequenos, e os pequenos de cérebro relativamente grande. Mas, ainda assim, não conseguiu explicar o desenvolvimento do cérebro humano. “Se seguíssemos a mesma dieta dos outros primatas, teríamos que gastar nove horas e meia por dia nos alimentando, o que é inviável. Algo nos libertou dessa limitação”, diz Suzana.

    Fogo! – Essa libertação teria vindo com uma mudança na dieta que aconteceu durante o desenvolvimento dos Homo erectus, ancestrais humanos que surgiram há 1,8 milhão de anos. Foram eles os responsáveis por dominar o fogo e cozinhar os pedaços de carne e vegetais que antes eram consumidos crus. Com o cozimento, o homem se tornou capaz de digerir mais calorias a partir da mesma quantidade de comida, podendo gastar o ‘excesso’ de energia no desenvolvimento de novos neurônios.

    Além disso, passou a gastar menos tempo se alimentando, podendo exercer outras atividades durante seu dia. “Assim, o desenvolvimento de um grande número de neurônios deixou de ser um risco e se tornou uma grande vantagem evolutiva. Com o tempo livre, o homem passou a usar esses neurônios para resolver problemas e a pressão evolutiva levou ao aumento gradual do cérebro”, diz Suzana Herculano-Houzel.

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    “O hábito de cozinhar nos ajudou a superar os fatores que limitavam nosso desenvolvimento”

    Suzana Herculano-Houzel

    Neurocientista da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autora do estudo

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    Nosso cérebro é realmente maior do que o dos outros primatas? Comparado com o de um grande primata ele parece ser maior do que deveria. Mas quando comparado com um macaco menor, como o chimpanzé, vemos que o órgão tem o mesmo tamanho proporcional: ele representa 2% da massa do corpo. Existe uma tendência de o tamanho do corpo e o tamanho do cérebro se limitarem. Nos humanos isso não parece acontecer.

    E por que o hábito de cozinhar pode explicar isso? A explicação para termos um cérebro maior, sem perder massa corporal, é que conseguimos consumir mais energia em menos tempo do que os gorilas. E isso é proporcionado pela cozinha. Cozinhar é a mesma coisa que pré-digerir os alimentos. Desse modo, os humanos conseguem mastigar e ingerir a comida de modo muito mais rápido, com menos esforço e maior rendimento calórico. Quando alguém come comida crua, o rendimento da comida pode ser de apenas 30% a 40% do normal.

    Por que vocês acham que essa mudança aconteceu com os Homo erectus? Quando surgiu, o Homo erectus não possuía um cérebro muito diferente do que tem um gorila hoje em dia. Só que, em um período de 500.000 anos, o tamanho cerebral dobrou nessa espécie. E essa mudança aconteceu junto com muitas outras. Com os Homo erectus, temos as primeiras evidências do uso de fogo, um aumento do tamanho do crânio e a diminuição dos dentes e da musculatura facial. Pesquisa anteriores já haviam relacionado todas essas alterações à invenção da cozinha. O que mostramos em nosso estudo é que o hábito de cozinhar nos ajudou a superar os fatores que limitavam nosso desenvolvimento. Sem ele, não teríamos o número de neurônios de hoje em dia.

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