Fascínio por alienígenas dispara após audiência no Congresso dos EUA
Enquanto os fatos não emergem, as dúvidas sobre a existência ou não dos discos voadores continuam a fazer girar a imaginação do planeta

O argumentum ad ignorantiam, em latim, é um conceito filosófico de muito sucesso nos tempos de hoje, de intensa polarização ideológica. É uma falácia segundo a qual provamos ser verdadeiro algo que não teve a falsidade comprovada, e vice-versa. Tomemos um exemplo: luzes coloridas se movimentando em alta velocidade no céu noturno; se não forem de um avião, um drone ou um satélite, só podem ser de uma nave extraterrestre.
A torta argumentação movida a ignorância ilumina o fascínio pelos alienígenas, os seres elusivos retratados em versos, músicas, livros, filmes e séries de sucesso. E mais: ajuda a entender o interesse mundial pela recente audiência pública do Congresso dos Estados Unidos sobre fenômenos aéreos não identificados (UAPs, na sigla em inglês), os objetos voadores não identificados (óvnis).

Na ocasião, David Grusch, ex-funcionário do Departamento de Defesa, testemunhou perante um subcomitê de Supervisão e Responsabilidade da Câmara dos EUA. Ao seu lado estavam dois ex-pilotos militares aposentados: David Fravor, ex-comandante da Marinha que afirma ter visto um objeto estranho no céu durante uma missão de treinamento em 2004, e Ryan Graves, ex-oficial e atual diretor da organização não governamental Americans for Safe Aerospace, que disse ter presenciado fenômenos semelhantes na costa do Atlântico “todos os dias por alguns anos”. Os tópicos incluíram ameaças à segurança nacional, transparência do governo americano em torno das ocorrências e relatos de “contatos imediatos”.
O testemunho mais aguardado era mesmo o de Grusch, para quem as autoridades americanas têm ocultado informações sobre óvnis. O major aposentado disse que, em 2019, recebeu do chefe de uma força-tarefa do governo a missão de listar todos os programas secretos relacionados a fenômenos aéreos não identificados. Na época, ele foi destacado para o National Reconnaissance Office, agência que opera os satélites espiões do país. “Fui informado, no curso de minhas funções oficiais, de um programa de várias décadas para recuperação e engenharia reversa desses fenômenos, ao qual me foi negado o acesso”, disse em seu depoimento. Mais assustador foi a sua afirmação de ter sofrido retaliação por expor essas informações.

Como a vida imita a arte, parece o enredo perfeito para um episódio de Arquivo X, a série de TV dos anos 1990 e 2000 famosa por mostrar dois agentes, Mulder (David Duchovny) e Scully (Gillian Anderson), no encalço desses programas secretos. As alegações de Grusch, que incluíram posse pelo governo americano de restos orgânicos não humanos e de naves extraterrestres, foram recebidas com ceticismo, tal qual os personagens do popular programa americano. Em um comunicado genérico e vago, a porta-voz do Departamento de Defesa, Sue Gough, disse que não há “nenhuma informação verificável para substanciar as alegações de que haja quaisquer programas relativos à posse ou engenharia reversa de materiais extraterrestres que existiram no passado ou que existem atualmente”. A negativa adiantou? Aparentemente não, porque o tema é adesivo e enigmático.
O administrador da Nasa, Bill Nelson, afirmou, em viagem à Argentina, que, diante de tantas suspeitas sobre alienígenas, reuniu dezesseis cientistas em torno de um comitê que usará os avançados recursos tecnológicos da agência espacial para analisar os fenômenos. “Esperem até o mês que vem para ter sua resposta”, disse Nelson, ao anunciar a divulgação de um relatório com os resultados da investigação. Enquanto os fatos não emergem, as dúvidas sobre a existência ou não dos “homenzinhos verdes” ou “discos voadores”, como disse o republicano Tim Burchett na audiência da semana passada, continuam a fazer girar a imaginação do mundo inteiro — seja nos desertos de Nevada, onde fica a misteriosa Área 51, palco de testes atômicos e outros programas secretos americanos, seja em Varginha, no interior de Minas, cidade em que se registraram nos anos 1990 incidentes envolvendo supostos ETs. E vivamos ao infinito e além o argumentum ad ignorantiam.
Publicado em VEJA de 9 de agosto de 2023, edição nº 2853