Répteis marinhos pré-históricos com cabeças pequenas, pescoços longos e quatro grandes nadadeiras, os plesiossauros viveram entre 200 e 66 milhões de anos atrás, entre os períodos Jurássico e Cretáceo, e se espalharam por todos os oceanos da Terra. Encontrados pela primeira vez em 1823, pela paleontóloga britânica Mary Anning, os fósseis dessas criaturas podem atingir de 1,5 metro até 14 metros de comprimento. Acreditava-se que seu habitat era principalmente a água salgada. Embora haja estudos mostrando a presença ocasional desses animais em ambientes de água doce, uma descoberta recente mudou completamente essa visão. Mais do que isso: alimentou uma teoria que os aproxima ainda mais do mítico monstro do Lago Ness, uma lenda popular nas Terras Altas da Escócia, no Reino Unido. Os caçadores de Nessie, como é conhecida carinhosamente na região a elusiva e fascinante besta, ficaram animados.
No fim de julho, pesquisadores de universidades britânicas e marroquinas publicaram um estudo na revista Cretaceous Research no qual descrevem descobertas feitas na formação geológica Kem Kem, ao sul do Marrocos, no Deserto do Saara. No sítio paleontológico onde há mais de 100 milhões de anos se encontrava um sistema fluvial, os cientistas dizem ter localizado fósseis de plesiossauros de pequeno porte, em grande parte ossos e dentes de adultos de 3 metros de comprimento e um osso da nadadeira de um indivíduo jovem de 1,5 metro de comprimento. São indícios de que essas criaturas viviam e se alimentavam em rios e lagos, ao lado de sapos, crocodilos, tartarugas, peixes e do espinossauro, outro dino aquático. Provavelmente, eles foram se adaptando para tolerar água doce, e alguns talvez tenham passado a existência nela — como acontece com espécies de golfinhos. Um deles poderia ser, portanto, o querido personagem escocês.
A notícia repercutiu no mundo da paleontologia, claro, por lançar luz em uma questão sobre a qual ainda pairavam muitas dúvidas. Nas Terras Altas da Escócia, insista-se, os fanáticos pela lenda de Nessie se encheram de alegria ao ver se abrir uma imensa possibilidade de sobrevida para a criatura, mito que alimenta o turismo na região e do qual muita gente tira o seu sustento. O impacto pode ser medido pelas manchetes de jornais locais e de alguns respeitáveis veículos britânicos. “A teoria do monstro do Lago Ness ganha credibilidade com as novas descobertas de fósseis da Universidade de Bath no Deserto do Saara, no Marrocos”, diz o título de uma reportagem sobre o estudo no pequeno The Inverness Courier, jornal bissemanal distribuído na área. “Existência do monstro do Lago Ness é ‘plausível’”, repetem as manchetes de The Scotsman e do vetusto The Telegraph.
Para frustração dos apaixonados, no entanto, a relação entre o dinossauro aquático e Nessie é frágil. A ciência explica o porquê. Primeiro, os plesiossauros sumiram do mapa há 66 milhões de anos, com o restante dos dinossauros, quando o asteroide Chicxulub atingiu a Península de Yucatán, no México, provocando a extinção em massa do fim do período Cretáceo. Há exceções, como o caso do chamado “fóssil vivo”, o peixe celacanto, que parecia ter desaparecido há milhões de anos, quando, para surpresa geral, um espécime foi encontrado vivo em 1938, na África do Sul. “Portanto, não é impossível, mas muito, muito improvável que tenhamos chegado à origem do monstro do lago”, disse a VEJA Nick Longrich, paleontólogo da Universidade de Bath e coautor do estudo sobre os fósseis do Marrocos.
Não é só. Mesmo com 37 quilômetros de extensão e mais de 250 metros de profundidade, o Lago Ness é muito pequeno para sustentar uma população viável de grandes animais. Além disso, o local foi formado apenas cerca de 10 000 anos atrás, e antes disso era gelo. O interessante, na verdade, é que o mito se tornou popular nos anos 1930, quando um médico militar, o coronel Robert Wilson, tirou a primeira e mais famosa foto de Nessie — décadas mais tarde, revelou-se que era uma imagem produzida, uma autêntica fake news. A contrafação, porém, não matou o fascínio. “Em vez de ser um mito antigo, o monstro do Lago Ness é um mito moderno influenciado por descobertas científicas, assim como a corrida espacial inspirou a mania dos óvnis”, afirma Longrich. Dado o fôlego científico da paleontologia — renovado e forte —, o monstro do Lago Ness terá vida longa. Quem não acreditar que conte outra história.
Publicado em VEJA de 24 de agosto de 2022, edição nº 2803