“O universo é um lugar bem grande. Se não existe vida fora da Terra, então é um terrível desperdício de espaço.” Era assim, com extraordinária assertividade, que o astrofísico americano Carl Sagan (1934-1996) rejeitava a ideia de que, em todo o cosmo, a Terra seria o único planeta com o privilégio de abrigar animais e plantas. Mas, se há tanto lugar para ETs, por que ainda não os encontramos? A resposta está no célebre Paradoxo de Fermi, elaborado em 1950 pelo físico italiano Enrico Fermi (1901-1954). O cientista realizou um cálculo simples, porém revelador. Partindo da ideia de que a Terra seria só mais um entre incontáveis mundos presentes no universo, ele elaborou uma equação baseada em observações do sistema solar. Assim, chegou à conclusão de que algo como 1% dos planetas que existem cosmo afora poderia abrigar seres vivos. Levando-se em consideração que haja no universo 70 sextilhões de estrelas, isso daria, por estimativas, 100 planetas para cada grão de areia que existe na Terra. Se aquele 1% tiver vida, chega-se à definição de que há um corpo celeste com seres vivos para cada grãozinho de areia. No entanto, nunca topamos com eles: eis o paradoxo. Pudera: tais mundos estão a anos-luz de distância. O que nos impossibilita, hoje, de chegar lá — não, contudo, de teorizar como eles sejam. Foi o que comprovou um software recém-apresentado pela Nasa. Com resultados surpreendentes.
O novo programa de computador, que ganhou o nome de Rocke 3D, foi desenvolvido pelo Instituto Goddard de Estudos Espaciais (GISS), departamento de pesquisas avançadas da Nasa. Ele é guiado por um algoritmo que, alimentado com uma série de variáveis acerca de um determinado planeta — como a distância em relação à estrela do sistema que orbita, a composição química da atmosfera e a temperatura na superfície —, calcula a probabilidade de existência de oceanos repletos de vida por lá. Com o uso do software, pesquisadores da Universidade de Chicago, também ligados à agência espacial dos Estados Unidos, se propuseram a analisar, entre outros casos, o sistema estelar Trappist-1.
Localizado a 39 anos-luz — à velocidade da luz levaria 39 anos para aterrissar nele —, o Trappist-1 foi descoberto em 2017. Ele conta com sete planetas. No ano passado, um estudo da Nasa avaliou que pelo menos três deles têm chance de abrigar água líquida — poderiam gerar vida. Mais que isso: o trio, em tese, possuiria oceanos ainda mais agitados que os da Terra, o que facilitaria a circulação de nutrientes. Alimentado pelas características sabidas daqueles longínquos corpos celestes, o Rocke 3D mostrou que um deles deve ter, ou ter tido, condições ainda mais amigáveis a seres marinhos do que a Terra. “Verificou-se a possibilidade de existência de mares com atividades intensas, com ampla gama de nutrientes”, analisou o astrônomo peruano Jorge Melendez, especializado em exoplanetas e professor da USP. Agora, os pesquisadores de Chicago ambicionam avaliar, com critérios iguais, ao menos outros 300 planetas. Não, ainda não contatamos extraterrestres. Mas podemos ter achado onde eles estão.
Publicado em VEJA de 4 de setembro de 2019, edição nº 2650