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Navegação científica

Projeto pioneiro que reúne 150 pesquisadores de quarenta países descobre milhares de novos vírus marinhos. O estudo pode ajudar no equilíbrio do clima

Por Sabrina Brito Atualizado em 4 jun 2024, 16h20 - Publicado em 3 Maio 2019, 07h00
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    (Arte/VEJA)

    Primeiro, o assombro: há mais de 200 000 tipos de vírus espalhados pelos oceanos do planeta. Agora, o dado tranquilizador: nenhum deles representa perigo para os seres humanos. A descoberta foi anunciada por uma equipe de 150 pesquisadores de quarenta países em um artigo recém-publicado na revista científica americana Cell. A inédita coleta daqueles microrganismos foi realizada por uma expedição que, entre 2009 e 2013, navegou pelo Ártico, Pacífico, Índico e Atlântico em busca de amostras de água de diferentes profundidades e temperaturas. O objetivo da missão, intitulada Tara Oceans, era fazer um levantamento dos micróbios presentes nos mares da Terra e analisá-los. Efetuado o censo, che­gou-­se àquele espantoso número de tipos de vírus marinhos — e à constatação de que 92% deles pertenciam a grupos biológicos até então desconhecidos.

    Embora se costume pensar que os peixes constituem a maioria dos seres presentes nos mares, os vírus são muito mais comuns naqueles territórios do que qualquer animal, bactéria ou vegetal. O número é estonteante: estima-se em 1 decilhão (10 seguido de 32 zeros) a quantidade de tais microrganismos espalhada pelo ambiente marítimo. A título de comparação: é um número duas vezes maior que o de galáxias no universo. No entanto, a boa notícia é que eles infectam, até onde se sabe, tão somente bactérias e células muito específicas, que não são encontradas em seres humanos.

    Uma pergunta legítima poderia ser feita a esta altura: se não nos atacam, por que percorrer os mares durante cinco anos em busca desses seres microscópicos? Ocorre que a presença deles afeta o balanço dos hábitats do globo, interferindo indiretamente na vida humana. Os vírus marinhos, ao lado de organismos multicelulares e vegetais, estão entre os fatores determinantes para fazer dos oceanos os responsáveis pela remoção da atmosfera de quase metade de todo o gás carbônico produzido pela civilização. Assim, as águas marítimas livram o ar do principal causador do efeito estufa, responsável pela aceleração do aquecimento planetário. Sem o mar, as alterações climáticas observadas com intensidade ao longo das últimas décadas seriam duas vezes mais radicais.

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    O trabalho da Tara Oceans é resultado de um projeto iniciado em 2006. Com o apoio majoritário do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França, o programa tinha como objetivo primário estender o conhecimento dos exploradores acerca da vida marinha. A bordo da escuna Tara, que batizou a expedição e foi construída à base de alumínio, um material sustentável, os pesquisadores agruparam, ao longo da missão, 30 milhões de genes de vírus e organismos unicelulares, todos até então também completamente desconhecidos pela comunidade científica. O próximo passo da empreitada será analisar a fundo como funcionam e para que podem servir esses organismos.

    Por enquanto, a principal surpresa foi a conclusão de que a diversidade das comunidades de microrganismos contraria a tendência usual da multiplicidade de seres vivos complexos. Enquanto plantas, bactérias e animais costumam figurar em grupos mais variados conforme se está mais próximo da linha do Equador, os vírus seguem caminho oposto. Foi inesperado, para os pesquisadores, verificar que a maior pluralidade deles se encontrava em águas próximas ao Oceano Ártico e em regiões temperadas. “Ter descoberto que esses vírus prosperam em locais mais frios indicou-nos que talvez precisemos mudar o foco de nossas políticas de contenção das mudanças climáticas para também abranger melhor essas regiões de menor temperatura”, afirmou a VEJA o microbiologista americano Matthew Sullivan, da Ohio State University e o principal autor do levantamento.

    Há outras possibilidades de aplicação prática da descoberta. “Os estudos que vierem a seguir devem ser úteis para testarmos hipóteses da ecologia, por enquanto restritas a meras teorias, relacionadas ao funcionamento do ambiente marinho”, diz Sullivan. “Ou podem até mesmo funcionar como base para a criação de enzimas artificiais e produtos de biotecnologia capazes de aprimorar nossa saúde e ajudar no combate a doenças”, acrescenta.

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    O olhar aprofundado acerca dos mares deve servir ainda de inspiração para a maior exploração das águas salgadas, que cobrem 70% da superfície da Terra. Até agora, a quase totalidade do ambiente marinho continua sendo um segredo completo. Aproximadamente 95% dos oceanos permanecem obscuros, sem investigação científica. Enquanto 500 astronautas já caminharam pelo espaço, apenas três indivíduos chegaram a observar o fundo da Fossa das Marianas, o ponto mais profundo dos mares, situado a quase 11 quilômetros abaixo da superfície da água. Há muito ainda a ser navegado pela ciência.

    Publicado em VEJA de 8 de maio de 2019, edição nº 2633

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