Logo depois de o ser humano pisar na Lua, em 1969, Gilberto Gil compôs uma linda e pouco conhecida canção para lamentar, com ironia, o que acontecera: “Poetas, seresteiros, namorados, correi / É chegada a hora de escrever e cantar / Talvez as derradeiras noite de luar”. As noites de luar não terminaram — mas o que talvez tenha mudado para sempre, quando surgiram as primeiras fotos da Terra vistas do satélite natural, foi a impressão que tínhamos de nós mesmos. Apareceram imagens aqui e ali, as primeiras em preto e branco, depois coloridas — as “tais fotografias em que apareces inteira”, para lembrar outra balada da MPB, de Caetano Veloso.
Nenhuma imagem foi mais influente do que aquela tirada em 7 de dezembro de 1972 com uma câmera alemã Hasselblad pela tripulação da missão Apollo 17. Conhecida pelo título “a bola de gude azul”, foi feita a mais de 45 000 quilômetros de distância, a partir da órbita lunar. Deflagrou, no início do movimento ambientalista, uma imensa onda de preocupação diante da fragilidade do planeta, pequeno e indefeso em meio a tanta grandeza. A Blue Marble, em seu título original em inglês, nunca mais deixou de ser reproduzida, em movimento de eterno fascínio. A Terra, enfim, vista de longe, do espaço, sempre encantará.
Nos últimos dias, atreladas à inércia imparável das redes sociais, brotaram como vírus as impressionantes fotografias tiradas pelo astronauta americano Don Pettit, de 67 anos, o mais velho da Nasa em atividade. A mais badalada delas mostra a Terra em formato intrigante. Feita por meio de uma lente “olho de peixe”, uma grande-angular, e com o uso de longa exposição, para capturar movimentações, resultou em registro diferente de tudo o que já se viu: as luzes das cidades em cor laranja, os rastros de estrelas em azul quase roxo. O retrato foi feito através da Cupola — uma janela panorâmica da Estação Espacial Internacional, a ISS. Em outro clique, ele mostra um breve passeio para fora da ISS, tendo como base um módulo russo. Ao longo de três viagens, Pettit permaneceu 369 dias no cosmo. Diz ter feito 600 000 fotografias. Parte pequena foi lançada em livro, mas somente agora, ancoradas no Instagram e no Twitter, elas ganharam tração.
Pettit reconhece a força revolucionária do que fez. “Ao longo dos séculos os exploradores quiseram exibir os resultados de suas investigações”, diz. “Agora, basta abrir um aplicativo no smartphone.” As publicações são distribuídas em suas próprias redes sociais, mas também pelo Instagram da Nasa, que tem mais de 80 milhões de seguidores. Em 2002, selecionado para a tripulação da nave Endeavour, usava câmeras digitais ainda muito prosaicas, sem recursos. O desenvolvimento das câmeras acompanhou sua carreira. Sempre com interesse compartilhado com o comum dos mortais.
Seu trabalho, a um só tempo sofisticado e ingênuo, remete aos primórdios da chegada à Lua. Depois de olhar para nós, aqui embaixo, Neil Armstrong se comportou como uma criança. E, então, faria um comentário menos ensaiado do que o “pequeno passo para um homem, um grande passo para a humanidade”. Assim: “De repente, me ocorreu que aquela pequena ervilha, bonita e azul, era a Terra. Eu levantei meu polegar, fechei um olho — e meu polegar escondeu o planeta Terra. Eu não me senti como um gigante. Eu me senti muito, muito pequeno”. Talvez seja esse o efeito dos belos posts de Pettit.
Publicado em VEJA de 28 de setembro de 2022, edição nº 2808