O perigo que vem do centro da Terra
Novo estudo aponta que núcleo do planeta esfria mais rápido do que se imaginava, o que pode levar ao aumento da incidência de erupções vulcânicas e tsunamis
Cientistas vêm alertando há anos para uma série de ameaças ao futuro da humanidade, como o acúmulo dos gases do efeito estufa na atmosfera — o terrível causador do aquecimento global —, tormentas, tempestades tropicais e outros fenômenos climáticos. O inimigo, portanto, costuma vir “de cima”, mas agora soa também um alerta interno, direto do centro da Terra. O núcleo do planeta está esfriando mais rápido do que se imaginava. No curto prazo, a mudança poderá aumentar a incidência de fenômenos como erupções vulcânicas e maremotos. No longuíssimo, os efeitos serão ainda mais devastadores.
A parte de dentro do globo terrestre é formada por um núcleo interno, um núcleo externo, o manto e a crosta, com uma distância de aproximadamente 3 000 quilômetros entre seus pontos extremos. As temperaturas do núcleo, que hoje variam entre 4 400 graus e 6 000 graus, similares às do Sol, foram arrefecendo gradativamente ao longo dos últimos 4,5 bilhões de anos, num processo que se confunde com a evolução da própria vida. No início, a superfície era um mar de magma. Com o passar de alguns milhões de anos, ela foi tomando a forma que conhecemos e que permitiu o surgimento da existência de vida na Terra.
Trata-se, portanto, de um fenômeno bastante lento, de modo que nenhum de nós nem mesmo nossos descendentes mais próximos corremos qualquer risco de ver o centro da Terra esfriar a ponto de tornar o lar da humanidade um local inerte, como Marte ou Mercúrio (veja abaixo). Um estudo recém-lançado pelo Instituto Federal Suíço de Tecnologia de Zurique (ETH) em parceria com a Carnegie Institution for Science, dos Estados Unidos, no entanto, apontou uma surpreendente aceleração no processo natural de resfriamento, o que aumenta o risco de transtornos nem tão distantes assim.
É no centro da Terra que se forma o campo magnético que protege o planeta de um tipo específico de radiação, os chamados ventos solares. O calor das profundezas também desencadeia a movimentação das placas tectônicas, dando origem a erupções como a do vulcão ativo Etna, na região da Sicília, na Itália. De acordo com os cientistas da ETH de Zurique, mudanças na temperatura interna no núcleo poderiam interferir no funcionamento das placas. Como resultado desse processo, é possível que maremotos e erupções aconteçam com maior frequência e em lugares que jamais passaram por essa experiência.
Os efeitos do esfriamento serão severos. Peixes e plantas de mares profundos morreriam, pois os raios solares não chegam até lá e eles dependem do calor do centro da Terra. Isso desequilibraria a cadeia alimentar e levaria espécies da superfície à extinção. Há outros efeitos curiosos. O giro das rochas derretidas do núcleo da Terra, ricas em metais, produz eletricidade e gera o campo magnético da Terra. Com o núcleo frio, essas rochas se solidificariam e o magnetismo acabaria. Ou seja, todas as bússolas parariam de funcionar, pois a Terra ficaria sem seu campo magnético. O planeta tal qual o conhecemos é a soma de incontáveis fenômenos físicos. É impossível controlar a maior parte deles, como o que se passa no seu núcleo. Cabe à humanidade preservar o outro lado — o de cima.
Um novo planeta vermelho?
Apesar do esforço dos líderes do estudo em garantir que ainda é cedo para tirar conclusões sobre os riscos de o centro da Terra esfriar a ponto de causar preocupações para seus habitantes, as comparações com o nosso vizinho de sistema solar mais fascinante e cercado de mistérios foram inevitáveis. Segundo os autores da pesquisa, o fenômeno pode fazer com que as movimentações das placas tectônicas desacelerem a um ponto irreversível, interrompendo a atividade no manto e a proteção do campo magnético da Terra. Para simplificar: isso tornaria a Terra tão estéril quanto Marte. “Nossos resultados podem nos dar uma nova perspectiva e sugerem que a Terra, como os outros planetas rochosos Mercúrio e Marte, está esfriando e se tornando inativa muito mais rápido do que o esperado”, disse o cientista japonês Motohiko Murakami. O estudo, publicado no periódico Earth and Planetary Science Letters, não apontou o que pode ser feito para interromper ou remediar o processo de arrefecimento do núcleo, mas intrigou a comunidade científica internacional, que deve se aprofundar no tema. A saga marciana da Terra está apenas começando.
Publicado em VEJA de 9 de março de 2022, edição nº 2779